domingo, 20 de maio de 2012

Lady Gaga- O bullying no centro do debate

Carta Capital


Uma das cenas mais impressionantes de “Bully”, o documentário assumidamente militante de Lee Hirsch em cartaz nos EUA, se dá na sala da casa de Alex Libby, 12 anos, na fronteira dos estados de Iowa e Nebraska, no coração da América Profunda. Os pais do menino, uma criança tímida, que usa óculos fundo de garrafa e carrega marcas físicas do nascimento prematuro, vêem pela primeira vez o que o público das salas de cinema constataram, horrorizados, minutos atrás: os ataques, verbais e físicos, por que Alex passa diariamente ao tomar o ônibus escolar. Ao choque dos pais segue-se a reação doída do menino: “Mas o que eu posso fazer? Eles são os únicos amigos que tenho”, diz. A sequência segue com a visita dos pais ao colégio local, onde são recebidos pela diretora, interessada em minimizar as seguidas agressões. Seu discurso, centrado na premissa de que “meninos serão sempre meninos”, serve de contraponto ao cerne do filme de Hirsch: o que antes era visto como fato inevitável no processo de amadurecimento do indivíduo é cada vez mais percebido como um problema social ou mesmo caso de saúde pública, e não apenas nos EUA.
ONG da cantora Lady Gaga e tocante documentário expõem violência juvenil. Foto: Divulgação
Especialista em infância e adolescência, o psiquiatra brasileiro Gustavo Teixeira, professor da Universidade Estadual de Bridgewater, no Massachusetts, e com consultório no Rio de Janeiro, acaba de lançar “Manual Antibullying – Para alunos, pais e adolescentes” (Editora Best-Seller), em que discute estratégias para pais e educadores detectarem e ajudarem na prevenção dobullying. “É importante definir bem o que é o bullying escolar, para combatê-lo de forma ideal. Ele se dá quando há uma relação de poder desigual entre dois indivíduos e pela frequência com que a criança ou o adolescente sofre atos de violência física ou moral “, diz, em entrevista à Carta Capital. Teixeira constata a explosão de um ‘processo de conscientização’, tanto nos EUA quanto no Brasil, referente às dimensões do problema. “Crianças que sofrem bullying têm mais problemas de aprendizado. O investimento em uma estrutura de apoio tanto na escola quanto em casa é fundamental e faz sentido também do ponto de vista econômico”, defende.
Recentemente, a Universidade Federal Fluminense (UFF) anunciou os resultados de uma pesquisa inédita realizada entre 2010 e 2011 em 53 escolas públicas e particulares do Rio de Janeiro e em dois dos mais populosos municípios do Grande Rio, Niterói e São Gonçalo, em que identificou a ocorrência de casos constantes de violência contra alunos em 68% das instituições de ensino. Mais: em 85% das escolas, psicólogos não fazem parte da folha de pagamento. Assistentes sociais também são artigo raro. “Como começamos a lidar com o problema de forma mais clara muito recentemente, infelizmente ainda contamos com pouquíssimas iniciativas e projetos de lei que insinuem o estabelecimento de uma política de Saúde Pública nacional de combate ao bullying no Brasil”, acrescenta Gustavo Teixeira. Em 2010, a ONG Plan Brasil completou a pesquisa “Bullying Escolar no Brasil”, de âmbito nacional, em que quase 70% dos estudantes disseram já ter presenciado atos de violência sistemáticos, praticados ao menos três vezes contra a mesma pessoa no mesmo ano letivo. Os dados, referentes a 2009, foram computados em 5.168 entrevistas com alunos de escolas públicas e privadas de todo o país.
Nos EUA, uma das figuras públicas mais progressistas do universo pop, a cantora Lady Gaga veio a público em março anunciar que, como ex-vítima de bullying em Nova York (entre as malvadezas por ela sofridas está a de ser jogada dentro das especialmente fétidas latas de lixo da maior metrópole americana), decidira criar a Fundação Born This Way (algo como ‘nascido(a) deste jeito’), uma parceria com a Universidade de Harvard. Um dos objetivos da instituição é desenvolver iniciativas de combate ao bullying, visto não apenas como uma das formas mais covardes de violência, mas como inibidor da excelência acadêmica. Gaga, uma estudante exemplar, chegou a considerar deixar os estudos de lado para evitar a perseguição em sala de aula. “Mas a Fundação não é de forma alguma um ato de vingança. Quero, através dela, aprofundar-me mais sobre as raízes das diversas formas de injustiças sociais e mobilizar jovens para ajudar a modificar o status quo”, declarou, em Cambridge, Massachusetts, no lançamento da “Born This Way”.
Do outro lado dos EUA, na sessão de “Bully” em Los Angeles a que a reportagem da Carta Capital compareceu, a reação do público beirou a catarse. Do choro contido em cenas de desabafo das vítimas ao desaguar sonoro causado pela informação de que dois dos cinco adolescentes focados pela câmera de Hirsch se suicidaram, “Bully” não é uma experiência pueril. A mobilização pública que acontece em uma cidade da Geórgia depois de o adolescente Tyler Long, de 17 anos, tirar sua própria vida, proporciona um dos momentos mais reveladores do filme, ao sacudir pais e educadores de um aparente estado de letargia. Mas o aspecto mais incômodo do lado de cá da tela foi a ausência do público-alvo preferencial do filme: não havia adolescentes desacompanhados na platéia.
O aparente deserto juvenil se deu por conta da decisão do organismo responsável por determinar a faixa etária indicativa de cada filme, a Motion Picture Association of América (MPAA), de classificar o filme como de projeção restrita (R), com menores de 17 anos liberados nas sessões apenas com autorização dos pais ou de um guardião legal. O motivo? Expressões chulas ditas pelos meninos que agrediram Alex Libby no ônibus escolar. Curiosamente, nas salas ao lado da ocupada por “Bully”, adolescentes de 13 anos conferiam livremente o arrasa-quarteirão “Jogos Vorazes”, em que jovens se matam em um reality showperverso realizado em um universo distópico. No mundo nem sempre maravilhoso de Hollywood a violência realista da fantasia “Jogos Vozares” é menos perigosa do que as ameaças cruas do cotidiano apresentadas em “Bully”.
A decisão gerou protestos de gente como Meryl Streep, Johnny Depp, a apresentadora Elle DeGeneres, as cantoras Katy Perry e Lady Gaga e o apresentador da CNN Anderson Cooper, todos recrutados pelo distribuidor de “Bully”, Harvey Weinstein, que já prometeu fazer campanha para o documentário no próximo Oscar. A estrela teen Demi Lovato, que esteve no Brasil este mês, pediu para seus seguidores no twitter assinarem um abaixo-assinado na internet, iniciado pela adolescente Katy Butler, afim de forçar uma reavaliação da MPAA. Depois de tamanha pressão, o filme acabou recebendo a mesma graduação de “Jogos Vorazes”.
A polêmica acabou ajudando a transformar o filme no que Hirsch sonhava: um evento nacional, voltado para a denúncia do bullying. De acordo com os produtores de “Bully”, cerca de 13 milhões de estudantes sofrem violência escolar sistemática todos os dias nos EUA. Em uma das primeiras atividades promovidas pelo “Projeto Bully”, ação social parelha ao lançamento do filme, astros da série Glee, de forte apelo adolescente, e atletas do time de beisebol Yankees, de Nova York, incluindo as estrelas Derek Jeter e Alex Rodriguez, gravaram vídeos incentivando uma reação das “comunidades americanas” à praga social do bullying. Na saída da sessão conferida pela Carta Capital, jovens voluntários ofereciam panfletos e cartilhas educativas voltadas para o tema.
Uma semana antes do lançamento de “Bully”, o canal de tevê à cabo Cartoon Network, voltado para os públicos infantil e adolescente, apresentou o especial “Pare com o Bullying: Denuncie!” Entre os apresentadores, ninguém menos do que o presidente Barack Obama. Os depoimentos de vítimas do bullying, que ainda podem ser conferidos online, acabaram funcionando como preparação para a explosão de “Bully” que, para o crítico de cinema do New York Times A.O.Scott, além de acompanhar o drama de cinco famílias americanas, “trata do surgimento de um movimento, documenta de fato a mudança de consciência que ocorre quando indivíduos oprimidos descobrem não estar sozinhos e decidem se dedicar ao árduo trabalho de alterar as condições intoleráveis até então consideradas, a grosso modo, como inevitabilidades da vida”.
“O filme nos força a confrontar não a crueldade de crianças específicas, com seus problemas e virtudes, mas investiga o quão enfronhada em nosso sistema educacional e, portanto, na sociedade americana, esta crueldade se encontra. Sua intenção inicial é mexer com nossos sentimentos, não construir teorias ou criar debates. E sua audiência ideal não são intelectuais de meia-idade e sim estudantes que se vêem no meio de uma crise que o documentário ilumina de forma poderosa”, escreve.
Tamanha exposição gerou uma reação ao documentário na imprensa conservadora. A capa do caderno de idéias do Wall Street Journal foi ocupada na virada do mês por uma foto imensa de um menino loiro, os punhos cerrados, vestido com um uniforme que incluía impecável camisa branca e gravata listrada.  O título, impresso em letras garrafais, dá o tom da pensata: “Inimigo público número 1?”.
Assinado pelo editor da revista Reason, Nick Gillespie, autor de “A Declaração dos Independentes: Como Políticas Libertárias Podem Resolver os Erros da América”, o texto refuta a existência de uma epidemia de bullying no país, acusa os responsáveis pelo documentário, a Casa Branca e setores importantes da academia de histerismo injustificado e vilanização de jovens e termina com uma baita provocação: “Nosso problema não é um mundo em que aos ‘bullies’ tudo é permitido, mas um onde crianças como as que aparecem no especial do ‘Cartoon Networks’ parecem estar convencidas de que são vítimas impotentes”.
“Felizmente, no Brasil, a discussão não se dá neste patamar. Não há questionamento sério sobre um processo equivocado de vitimização de quem sofre o bullying. Percebo haver aqui o consenso de que se é preciso prevenir o ato violento produzido pelo desequilíbrio de poder. O que precisamos, agora, é de meios e de estrutura para enfrentar o problema”, diz Gustavo Teixeira.
“Bully”, premiado nos festivais de cinema de Los Angeles, Zurique, dos Hamptons e de Bergen, além do prestigioso Silverdocs, produzido pelo canal Discovery, infelizmente ainda não tem lançamento previsto no Brasil.

O brinquedo da vez

Folha da Manhã



Já dizia o filósofo Nietzsche, em seu conceito do Eterno Retorno, que estamos sempre presos a um número limitado de fatos, fatos estes que se repetiram no passado, ocor- rem no presente e se repetirão no futuro. Quando ele escreveu isso não deve ter pensado no mundo dos brinquedos infantis, mas até aí, a ideia se encaixa. Os antigos brinquedos que faziam a diversão da molecada nas décadas passadas são os mesmos brinquedos que fazem a diversão deles nos dias de hoje, mesmo em época de super videogames e televisão 3D. Eles surgem e desaparecem de acordo com o tempo, mas, no final, estão todos aí: o pião, o bambolê, as balebas e — é claro — o grande sucesso do momento, o bate-bate ou bat-bag.
Passatempos e brincadeiras de rua, às vezes, parecem estar se tornando muito distante da infância dos mais novos. Ser criança parece não ser mais o que era há algumas décadas, ou mesmo, alguns anos. Porém, quando a mais recente versão de um videogame chega às lojas, as crianças, simplesmente, olham para o lado e pedem um brinquedinho diferente. Lá está ele, o bate-bate.
Simples e divertidos, eles exercitam o imaginário e a fantasia das cri-anças e dependem largamente de seu entrosamento e interação. Educadores e especialistas de todo país creditam a esses simples brinquedinhos a promoção de uma maior interação entre jovens, nesta época marcada pe-la individualidade.
Mas há quem não dê crédito a esse resgate de costumes. Para o sociólogo e professor Aristides Soffiati, tudo não passa de pura manobra comercial.
— Existe um micromeio, que produz a cultura de massa e a lança para o macromeio, a população. Eles nunca perdem contato e quando o micromeio percebe tendências no macro, as elabora e lança para consumo. A cultura tradicional é criada pelo próprio coletivo de um meio, mas o que vemos aqui é a mídia ressuscitando a moda e colocando-a em prática em nome da economia de mercado. É a cultura de massa, dita pelo mercado e consumida — diz Soffiati.
Mas nem todos compartilham desta opinião. Segundo Márcia Pessanha, educadora e professora de Pedagogia, conhecer brinquedos antigos, e adequá-los aos dias atuais, adaptando-os ao cotidiano escolar, são tarefas benéficas à formação dos pequenos.
— Não creio que a volta dos brinquedos antigos seja uma estratégia comercial, até porque eles custam baratinho, duram muito e podem ser compartilhados por várias crianças, o que foge totalmente das intenções do mercado — explica a educadora, ao acrescentar que a interação com os brinquedos antigos possibilita um exercício muito maior da criatividade das crianças.
— Os “velhos” brinquedos são simples, mas permitem o exercício fantástico da superação de dificuldades e até mesmo das limitações. Eles vão tornando o usuário, cada vez mais hábil, à proporção que brinca e descobre formas novas de brincar. Os brinquedos antigos, com certeza, diminuem a distância entre pequenos e grandes, permitem brincar junto e redescobrir prazeres simples, mas preciosos — completa.
Para os pais, a nova onda de brinquedos do passado traz pontos positivos e negativos. A comerciante Violeta Moraes, de 38 anos, se diz contente com o bate bolas do filho. “É uma brin- cadeira saudável, que inclusive traz coisas em comum entre nós: eu e meus irmãos brincávamos disso, e agora vejo minha infância refletida em meu filho. Claro que tudo precisa de limite. Imagine o barulho do bate bolas o tempo todo?”, conta.
Em novas ou velhas versões, os brinquedos continuam cum- prindo a mesma função. “Tu-do na vida é circular, como o próprio planeta. Chegamos a um ponto, que se faz necessá- rio recuperar o brinquedo per- dido, ele torna o sujeito melhor, mais disposto a estar em comunidade. Um verso, de uma canção conhecida, estaria bem posto aqui: ‘De volta ao começo...’ Por quê? Porque assim tem que ser”, finaliza Márcia Pessanha.