sexta-feira, 29 de junho de 2012

Atriz de 'I Love Lucy' morre aos 92 anos em Los Angeles



Fonte: Jornal do Brasil


Segundo informações do site The Hollywood Reporter, a atriz Doris Singleton, do seriado I Love Lucy, morreu na última terça-feira (26), em Los Angeles, aos 92 anos. A causa da morte não foi divulgada.
No seriado, que estreou em 1951, a atriz viveu a personagem Caroline Appleby e conquistou o público de muitas gerações mostrando o cotidiano típico de uma família de classe média dos Estados Unidos.
Doris Singleton também tem outros papéis marcantes na TV, principalmente entre os anos 60 e 70, como Perry Mason, My Three Sons, All in the Family e Hogan's Heroes.
A atriz começou sua carreira como bailarina. Trabalhou com grandes nomes do rádio e foi casada com o escritor de comédia Charles Isaacs durante 61 anos, quando ele morreu em 2002.

terça-feira, 26 de junho de 2012

Matheus Nachtergaele e a ética do corpo


Orlando Margarido

Carta Capital

Cedo Matheus Nachtergaele se deu conta de que seu corpo determinaria o limite e a liberdade para se expressar. “Não poderia ser o galã e por isso me tornei mais aberto a uma infinidade de tipos”, avalia. Franzino, o ator convocou uma habilidade física a seu favor para que aos olhos do público surgisse antes o personagem irretocável na criação e no gestual do que o intérprete destinado a um consenso. O que não impede uma divertida constatação na galeria de nomes somados à carreira. São simbólicos o Cintura Fina de Hilda Furacão, o João Grilo de O Auto da Compadecida, o Carreirinha de América, o Miguezim do recente Cordel Encantado e o ainda inédito Joãosinho, o Trinta, em cinebiografia a ser lançada no próximo ano. Todos agora em companhia de Pazinho, sua nova colaboração com o parceiro habitual Cláudio Assis no novo filme deste, Febre do Rato, que estreia sexta 22.
O físico e o poético. No papel do coveiro Pazinho de A Febre do Rato, talento moldado na irreverência

O diminutivo empregado reveste-se de ironia quando vemos o que Matheus concretiza na tela. Pazinho é um coveiro que assume sua paixão por um travesti. Não o faz em qualquer reduto, mas no lúmpen que tanto interessa a Assis. Ali, sob a liderança de um poeta libertário (Irandhir Santos), não há demarcações no território sexual ou amoroso e Pazinho sofre por seus próprios conceitos. Seria um tipo tragicômico, mas a espontaneidade anárquica da direção o coloca entre o humor poético e a postura reflexiva. “Não é mais central a questão da homossexualidade, mas como avançar nas novas constatações da sexualidade”, ressalta o ator, que conversou com CartaCapital durante o 22º Cine Ceará, onde Febre do Ratofoi exibido e rendeu o prêmio de melhor diretor a Assis.
Moldar-se por uma irreverência e um riso é outra face contumaz do seu talento. Uma de suas primeiras referências na interpretação é Grande Otelo. “É o mais bonito e mais brasileiro entre os palhaços, com aquela melancolia disfarçada com o riso largo.” A apreciação por certo justifica sua acolhida ao imaginário cômico nacional, como no João Grilo em O Auto da Compadecida, que viveu nas versões para cinema e televisão. Mas a esses o ator chegou já com uma importante contribuição corporal e dramática adquirida em diversos processos.
Um desses primeiros testemunhos é referido numa passagem divertida de A Febre do Rato, quando Pazinho diz não ser Jó para tolerar as liberalidades do companheiro. Em 1995, Matheus interpretou o mais determinado crente do Antigo Testamento no espetáculo O Livro de Jó, do Teatro da Vertigem, com direção de Antônio Araújo. Num hospital paulista como cenário, o ator se desnudava para uma aventura de limite físico inesgotável. Embora tivesse participado como um anjo caído na peça anterior do grupo, Paraíso Perdido, era a primeira vez que o franzino de menos peso ainda do que os 59 quilos atuais exercitava sua capacidade de expressão. Pelo feito, ganhou os prêmios Shell, Mambembe e um grande colaborador. “O Araújo é um dos nomes que me formou, ao lado de Antunes e Assis. Entendo agora como isso é importante para um ator que foi aconselhado a desistir e tornar-se um autor.”
"Grande Otelo é o mais bonito e brasileiro dos palhaços, aquela melancolia disfarçada pelo riso"
A referência é a Antunes Filho, o diretor do Centro de Pesquisas Teatrais, onde o paulista foi bater atraído por um teste enquanto estudava artes plásticas. Aceito, ensaiou para Paraíso Zona Norte, mas, à véspera da estreia, foi afastado e ouviu de Antunes que nunca se tornaria um ator. “Ele dizia que eu deveria ser autor, buscar outra coisa, e eu não entendia o que isso significava.” Decepcionado, viajou para a Bélgica, origem de seu pai, músico fundador da Traditional Jazz Band, que, junto à mãe poetisa, influenciou seu espírito para a arte. A distância ajudou-o a avaliar o que tinha passado. “Antunes foi como um pai malvado, rigoroso e violento, que me apontou o que ler, me ensinou.” Matheus diz que a lição o tornou um ator assustado. “Acho que ele me deu um não para ver se eu seria capaz de contrariar a tese e hoje entendo a ideia de autor como criar uma arte pessoal, a sua arte.”
Nesse processo de autoria descobriu, também por Antunes, a maior referência para seu trabalho, a dança butô de Kazuo Ohno. Acredita que o trabalho do ator se estabelece nessa junção do físico com o poético do criador japonês. “Ele nos mostrava que o corpo deve ser ético.” O bailado que dá certo com Cláudio Assis ele atribui à grande honestidade e generosidade do cineasta, com quem trabalhou nos dois longas anteriores, Amarelo Manga, no qual vivia o atirado gay Dunga, e Baixio das Bestas, intérprete de Everardo. Diz ter tido muito medo de se assistir neste filme, tamanha a violência do personagem. “É uma criação caótica a de Cláudio, ele consegue o êxtase. Posso até sentir raiva ao encarar alguém como Everardo, mas sei que no fim será uma raiva poética.”
A trajetória no cinema e na televisão, ele compreende, marcou-o para tipos à margem social. “A tevê especialmente tem esse poder, mas não me incomoda. Preparo-me para um papel tanto quanto no cinema, pois sei que para muita gente o alcance da arte está ali e ela tem de ser boa.” Sua constelação dramática, no entanto, é mais ampla e inclui participações em O Que É Isso, Companheiro? (1997), Central do Brasil (1998) e o marcante Cidade de Deus(2002). “Ali era o contrário, a ideia era não haver poesia, era o bruto.” Prepara-se para Serra Pelada, de Heitor Dhalia. “Achei que ia ganhar um garimpeiro, mas serei o fazendeiro que os explora.” Um raro vilão.
Dessas conjugações diferenciadas da arte de interpretar é que surge a importância do projeto Trinta para Matheus. Como protagonista, situação que não exerce ao menos desde o caipira inspirado em Mazzaropi de Tapete Vermelho (2006), ele se aproxima de um antigo ídolo, que conheceu antes da morte, em dezembro de 2011. Ainda, no filme de Paulo Machline, Joãosinho Trinta é apresentado antes da consagração no desfile da Salgueiro em 1974, quando ingressou no Teatro Municipal para ser bailarino e acabou responsável pelos adereços das óperas. “Ele não tinha tipo físico para o balé, o que lembra algo de mim”, brinca.
Pontua também as diferenças. “Trinta era culto e místico, eu não.” Quanto ao misticismo, que o ator procura afastar como visão de mundo, era dado fundamental do primeiro e elogiado longa que dirigiu em 2008, A Festa da Menina Morta. Na atuação impressionante de Daniel de Oliveira como o “santinho” de uma vila amazônica, é inevitável enxergar o próprio Nachtergaele em entrega física a um personagem. Reconhece que exigiu dos atores a dedicação por ele ofertada quando dirigido, que nenhum cineasta duvida hoje ser da mais alta compleição.

Gilberto Gil- 70 anos


quarta-feira, 20 de junho de 2012

Dois contos sobre Deus e o Diabo

Jornal do BrasilWander Lourenço*

Em recente almoço com o literato e etimólogo Deonísio da Silva e o latinista padre Pedro Paulo Alves dos Santos, dissera-lhes que não só pelo fato de ter escrito A igreja do Diabo o magistral Machado de Assis poderia pleitear a posição de maior contista da língua portuguesa, de vez que tantas obras-primas carregariam a assinatura de sua pena autoral. Todavia, expus-lhes que, embora o mestre fluminense fosse o responsável pelo antológico registro que ficcionaliza uma espécie de duelo dialético entre Deus e a demoníaca figura que intitula o conto machadiano, o magistral A hora e a vez de Augusto Matraga, de Guimarães Rosa, disputaria, quiçá em patamar de igualdade, o título de mais extraordinário ensaio ficcional do gênero na história da literatura brasileira.
Em A hora e a vez..., a narração retrata a saga de um mandatário que, após perder família e propriedade, transformar-se-ia em convicto cristão solidário, disposto a ir para o céu nem que fosse “a porrete”. O enredo se alicerça na promessa de salvação feita pelo protagonista Nhô Esteves a um religioso que, chamado para lhe dar a extrema-unção, se deparara com um espírito atormentado a arrotar bazófias e esconjuros. Ao vislumbrar uma fresta de luz, o moribundo se comprometeria a modificar o percurso abarrotado de iniquidades e devassidão. Ao se recuperar das fraturas causadas pelas bordoadas dos capangas inimigos, Matraga resolvera se estabelecer num sítio longínquo com o casal de negros samaritanos que o acudiu em sua santa expiação. 
N’A igreja do Diabo, um manuscrito beneditino relata que, ao solicitar uma audiência com Deus por estar cansado de sua desorganização, a luciférica personagem anunciaria, a pleno pulmões, que construiria uma “hospedaria barata” para agregar os discípulos malignos que se dispuserem a segui-lo. E exemplifica que a única demonstração de sentimento ao próximo consentida pela seita satânica seria a de “amar a mulher do próximo”. 
É fato que, para impressionar a presença opositora, o maquiavélico Lúcifer lançou mão de uma sofisticada metáfora para ilustrar a sua mirífica ideia: “— Só agora concluí uma observação, começada desde alguns séculos, e é que as virtudes, filhas do céu, são em grande número comparáveis a rainhas, cujo manto de veludo rematasse em franjas de algodão. Ora, eu proponho-me a puxá-las por essa franja, e trazê-las todas para minha igreja; atrás delas virão as de seda pura...”. 
Diante de sutil retórica, ao benévolo Criador não coube contestação que amainasse o afã de fundação da facção religiosa imposta por um líder que, inclusive, se gabara de não ter de enfrentar Maomé nem Lutero. Neste ínterim, na contramão das proposições malignas, um indivíduo de estúrdia natureza se danava a labutar de sol a sol até a chegada ao arraial do temível Joãozinho Bem-Bem que, de imediato, lhe devotara apreço, a ponto de, ao fim da estada, indagar se haveria mágoa que lhe instasse reparação. O justiceiro, involuntariamente, restauraria um passado amortecido pelo período de jejum social, que tanto aproximara o antigo pecador do paraíso celeste... 
Contudo, perante tal resignação o bando se despede dizendo-se atento a um pedido de desagravo moral ou vingança por parte do sitiante. Logo a seguir, enfastiado, o beato Matraga prossegue, em bíblica montaria, a caminho do fatídico reencontro com Joãozinho Bem-Bem. Diante de um entrevero, com audácia e valentia, enfrenta o cangaceiro-mor Bem-Bem; e, ao aniquilá-lo, recebe o chamado divino pelas mãos dos jagunços, santificando-se por salvar da desgraça uma indefesa família do interior de Minas Gerais. 
De outra feita, a próspera empreitada do intrépido Belzebu ameaçou ruir, justo quando o pastor malfazejo se apercebera de que os mais assíduos seguidores do seu apostolado, às escondidas, praticavam boas ações. Atônito, ao recorrer aos Céus o Cujo recebera a seguinte justificativa divina: “— Que queres tu, meu pobre Diabo? As capas de algodão têm agora franjas de seda, como as de veludo tiveram franjas de algodão. Que queres tu? É a eterna contradição humana”.
Satisfeitos com a ceia e o vinho, refletíamos sobre as sutilezas filosóficas; e, abismados, descobríamos que a retórica dos mistérios se instaura às terceiras margens de um mítico esboço de humanidade aventado pela luz da criação literária de Machado e Rosa.     
*Wander Lourenço de Oliveira, doutor em letras pela UFF, é escritor e professor universitário. Seus livros mais recentes são ‘O enigma Diadorim’ (Nitpress) e ‘Antologia teatral’ (Ed. Macabéa).

terça-feira, 19 de junho de 2012

Chico Buarque completa 68 anos nesta terça-feira

O Estadão

Chico Buarque completa seus 68 anos nesta terça-feira, 19. Filho do historiador Sérgio Buarque de Holanda, ele tem como grande destaque em sua carreira as composições musicais, além dos diversos livros publicados e peças montadas.
Chico Buarque já lançou 53 discos em sua carreira - Arquivo/AE
Arquivo/AE

Na política participou ativamente da luta contra a ditadura no Brasil. Seu primeiro interesse pela música foi aos cinco anos de idade, quando começou a recortar dos jornais e colar em um álbum retratos dos principais artistas do rádio na época. Ainda na infância, mudou para a Itália devido ao trabalho do pai. Lá, além de aprender outras línguas, teve contato com diversos artistas que frequentaram a casa da família, como Vinícius de Moraes. Compôs pequenas operetas em 1956, quando a família já estava de volta ao Brasil.
Se envolveu brevemente com uma seita ultraconservadora católica, mas seus pais, preocupados com as influências que o jovem estava recebendo, o enviaram para um internato. Quando voltou acabou preso devido a um furto de carro com um colega, sendo impedido de circular sozinho até os 18 anos de idade. No mesmo período publicou suas primeiras crônicas em um jornal do colégio.
Sua primeira composição é de 1961, Canção dos Olhos. Seguindo um desejo da família acabou entrando em arquitetura na FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo), mas não ficou muito tempo no curso, percebendo que seu caminho estava na arte. Em 1965 participou do I Festival de Música Popular Brasileira com a canção Sonho de Carnaval.
Foi nesta competição que conheceu Elis Regina, a grande vencedora da noite. No mesmo ano lançaria seu primeiro compacto Pedro Pedreiro e Sonho de Carnaval. Conheceu também Caetano Veloso, frequentador do bar João Sebastião, reduto da bossa nova paulista.
Ganhou o Festival no ano seguinte com a música A Banda (dividindo o primeiro lugar com Disparada de Théo Barros). Com o sucesso da composição, mudou-se para o Rio de Janeiro onde gravou seu primeiro LP, Chico Buarque de Hollanda. Ainda em 1966 conheceu a atriz Marieta Severo Lins, com quem acabaria se casando.
Passou a trabalhar em diversas frentes que incluiam a composição de um segundo disco, canções para teatro (como o infantil O Patinho Feio) e a gravação de programas na Rádio Jovem Pan e na TV Record.
Em 1967 estreou como ator interpretando a si próprio no filme Garota de Ipanema. Com a ditadura militar em vigor no Brasil, participou dos protestos contra o regime. Após o início do Ai-5, teve a peça Roda Viva censurada e foi investigado pelo CCC (Comando de Caça aos Comunistas). Em discordância com o momento político vivido pela país, se auto-exilou na Itália em 1969, onde chegou a lançar dois LP.
Foi neste período que nasceu seu primeira filha: Sílvia Severo Buarque de Holanda. Retornou ao Brasil em 1970 e lançou seu quarto disco. Nesse ano também compôs Apesar de Você que vendeu mais de 100 mil cópias e se tornou um hino contra a ditadura.
Quatro anos depois, ele entraria em um novo ramo das letras quando escreveu sua primeira novela: Fazenda Modelo. Iniciaria então um longo período fora dos palcos, onde continuou trabalhando em novas músicas, trilhas sonoras, peças de teatro e romances. Nesse período, participou apenas de espetáculos com causas sociais como o show no dia 1º de maio. Cantou também em em outros países, sempre trabalhando por causas políticas.
Na década de 80 manteve sua luta contra o regime militar no Brasil compondo e militando pelo o fim da ditadura. Em 1991 lançou seu primeiro romance Estorvo. O segundo viria em 1995, Benjamin. Estorvo viraria filme no final dos anos 90 e Benjamin iria para as telas em 2003. Publicou ainda Budapeste que também chegou aos cinemas.
Ao longo de sua carreira, Chico Buarque lançou 53 discos, escreveu peças como Opera do Malandro e Calabar, além de obras infantis, como Chapeuzinho Amarelo. 

domingo, 10 de junho de 2012

Arquitetos de sonhos e esperanças




 
RESENHA
LOPES, Marcos Antônio; MOSCATELI, Renato. (Orgs.) Histórias de países imaginários: variedades dos lugares utópicos. Londrina: EDUEL, 2011 (172 p.)*
Histórias de países imaginários: variedades dos lugares utópicos, organizado por Marcos Antônio Lopes (Doutor em História pela USP e docente na Universidade Estadual de Londrina – UEL) e Renato Moscateli (Doutor em Filosofia Política pela UNICAMP e Pós-Doutorando em Filosofia na Universidade Federal de Goiás – UFG), apresenta uma rica exposição sobre os sonhos e esperanças de mundos ideais imaginados pelas mentes férteis dos filósofos e escritores ficcionistas. São os arquitetos de cidades construídas em ilhas e lugares imaginários, projetos utópicos de regeneração social orientados pelo ideal da perfeição e harmonia humana.
A obra é composta por dez capítulos, escritos por historiadores – na maioria – e docentes do campo filosófico. São eles/as: Célia Maria Borges (UFJF), Estevão Chaves de Rezende Martins (UnB), Fábio Duarte Joly (UFRB), João Antonio de Paulo (UFMG), José Costa D’Assunção Barros (UFRRJ), Márcia Siqueira de Carvalho (UEL), Marcos Antonio Lopes (UEL), Marcos Lobato Martins (UNIFAL) e Renato Moscateli (UFG). O objetivo, nas palavras dos organizadores,
“foi o de oferecer um mapa histórico para aqueles que desejarem conhecer a geografia de alguns dos países imaginários que vêm sendo concebidos desde a Antiguidade clássica, países cujos territórios foram delineados pela ficção, mas que nem por isto se desligaram da assim chamada realidade concreta” (p. 7).
Os autores expõem e analisam o pensamento utópico dos gregos e romanos antigos aos sonhos e esperanças que mobilizaram os jovens na década de 1960, num trajeto que inclui as utopias renascentistas, o espírito profético que sacudiu a Europa moderna, o iluminismo, o ideal socialista científico, a utopia dos prazeres dos socialistas utópicos e as manifestações utópicas na ficção científica.
Neste percurso, fica nítido que as Utopias não são apenas devaneios de mentes ociosas, mas construções imaginárias arquitetadas a partir dos contextos históricos reais, das vidas e relações sócio-históricas de indivíduos concretos de carne e osso.
As Utopias são respostas criativas às desventuras e dilemas da existência humana em cada época histórica. Da Antiguidade clássica à modernidade, os homens e mulheres rebelam-se contra a realidade angustiante e anseiam por um outro mundo no qual os sofrimentos, a desigualdade e opressão social sejam superados. Estes mundos imaginários tanto podem representar o regresso a um passado idílico quanto o salto para um futuro, um vir-a-ser que habita os corações e as mentes dos homens e mulheres do tempo presente.
As Utopias são elaboradas a partir das diversas fontes que nutrem a imaginação humana. Inspiradas pela fé religiosa, elas adquirem contornos proféticos que estimulam a construção do Reino de Deus aqui na terra, mas também podem ser conformistas na espera do paraíso após a morte. A razão, a ciência, a situação política e social, também inspiram a construção das Utopias. Em qualquer dos sentidos, elas negam o real existente e afirmam a esperança de que um outro mundo é possível.
O pensamento utópico não está imune às críticas. Não obstante, os arquitetos de sonhos e esperanças lançam os alicerces de construções imaginárias no solo da realidade existente e encontram nos indivíduos reais as potencialidades da sua materialização. As Utopias são construções mentais de indivíduos em condições sócio-econômicas de pensá-las. Mas o sonho e a esperança não são propriedades de ninguém em particular. Por mais miserável que seja a condição humana, é possível sonhar. É a resposta ao desejo humano da justiça, igualdade e um mundo melhor. Quando as Utopias são assimiladas e tornam-se o móbil profético ou ideológico, elas alimentam os anseios de transformação social. Ao serem materializadas pela ação humana, influenciam e mobilizam multidões.
A leitura de Histórias de países imaginários permite a reflexão crítica sobre Utopias e as formas que elas assumem nas diversas épocas históricas. Por mais que o humano busque a perfeição e arquitete modelos de mundos perfeitos, ele não está desvinculado da realidade imperfeita e, sobretudo, é um ser imperfeito. Assim, não surpreende que os mundos arquitetados incorporem ideais de eugenia social, mantenham hierarquias e formas execráveis de relações sociais.
As Utopias podem gerar o oposto do ideal proposto. Por mais que sintetizem a esperança de realizar os sonhos mais generosos, as construções idealizadas são mediadas pela práxis humana. As Utopias podem se revelar intolerantes, autoritárias e gerar realidades sociais opressivas.
Na medida em que seguimos os autores nesta viagem por lugares utópicos e países imaginários, é-nos possível avaliar criticamente as potencialidades e limites das Utopias. Estas nos remetem às águas sombrias das distopias tão bem expressas por autores como George Orwell em A revolução dos bichos e 1984. Eis um dos méritos deste livro.
Os arquitetos de Utopias também podem se revelar demolidores de sonhos e esperanças. De qualquer forma, a realidade social, política e econômica, nos diferentes contextos históricos, fertiliza o solo em que germinam novos sonhos e utopias. A esperança se renova. Mas, sem ilusões! Mesmo que as Utopias nos remetam a mundos imaginários, é salutar manter a razão, o pé no chão da realidade social e não perder de vista o humano demasiado humano.
A leitura de Histórias de países imaginários: variedades dos lugares utópicos contribui para a compreensão dos diferentes significados que as Utopias historicamente assumem (proféticas, científicas, políticas e sociais, etc.). Por outro lado, a obra resgata um tema que, a despeito da desesperança de muitos, permanece atual. Afinal, o ser humano é um ser imaginativo, desejante e capaz de pensar a vida para além da sua existência. As Utopias são necessárias, bem como o entendimento delas. Vale a pena ler, sonhar e manter a esperança.

* Publicado originalmente na REA, nº 133, junho de 2012. Formato em extensão PDF, para impressão, disponível emhttp://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/17520/9316

quarta-feira, 6 de junho de 2012

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Pode digitar a senha!


Alberto Villas

Carta Capital

Eu tenho trinta e nove! Acredite! Trinta e nove senhas. Poucas sei de cor, mas todas estão devidamente anotadas num pedacinho de papel e guardadas a sete chaves. Senhas de bancos, de cartões de crédito, das companhias aéreas, de sebos virtuais, da Amazon, do Mercado Livre, do Libération.fr, senhas que não acabam mais.
Você deve estar se perguntando: mas por que não uma só senha? Impossível. Muitas vezes não sou eu que escolho. Agora por exemplo, acabo de renovar a assinatura da revista Geo e eles me enviaram uma nova senha:
BREVILALB736+99416
Vai decorar uma senha dessas! Se eu tivesse apenas uma seguramente saberia de cor e salteado. Nós éramos craques em guardar nomes, sobrenomes, telefones e endereços. Até hoje me pergunto como nunca me esqueci, por exemplo, a ficha completa de amigos de infância. Nilo Octávio Lage Botelho, Rua Rio Verde 619! Há mais de cinquenta anos o nome e sobrenome desse amigo de infância  nunca saiu da minha cabeça. Nem mesmo o endereço.
Nesse mundo de hoje duvido que exista uma pessoa que não tenha senha, ao menos umazinha. Para criar uma existem técnicas. Dizem para nunca escolher a data de nascimento porque a bandidagem é esperta. Documento roubado na mão a primeira coisa que o bandido tenta no caixa 24 horas é a data de nascimento. Pode ser. Mas como ladrões são espertos e tenho certeza que nenhum deles anda tentando tirar dinheiro com a data de nascimento da vítima como senha. Devem pensar assim:
- Ninguém é idiota de colocar a data de nascimento!
Senha é segredo que cada um guarda bem guardado. Tem gente que não revela a senha por nada nesse mundo. Entendo. Algumas são ridículas. Um dia um amigo meu de trabalho foi obrigado a me passar a dele para livrá-lo de um apuro. E passou:
Docinho!
Como aquele homenzarrão de dois metros de altura tinha uma senha tão meiga? Sei que muita gente usa palavrão como senha. Tem gente que usa só palavras em inglês e outros apelidos. Fico aqui pensando que senhas algumas pessoas teriam escolhido.
Será que o Zé Simão tem uma senha macaco?
Será que o João Gilberto tem uma senha opato?
Será que o Hans Donner tem uma senha globeleza?
Com certeza milhares de corintianos devem ter como senha timao. Experimente criar uma conta e colocar timao como senha. A resposta será sempre a mesma: senha já existente! Da mesma maneira milhares de atleticanos devem ter como senha a palavra galo. Imagine como deve ter senha uai em Minas Gerais, tche no Rio Grande do Sul e axe na Bahia…
Uma amiga da minha filha teve uma ideia bem simples. Colocou a palavra eu como senha. Mas uma outra teve uma ideia mais legal ainda. A senha dela é senha. Quando alguém pede para ela digitar a senha ela digita: senha.

domingo, 3 de junho de 2012

Em defesa de uma biblioteca virtual


por ALEXANDRE NODARI [1], EDUARDO STERZI [2], EDUARDO VIVEIROS DE CASTRO [3], IDELBER AVELAR [4], PABLO ORTELLADO [5], RICARDO LÍSIAS [6] eVERONICA STIGGER [7]
Blog da REA
A liberdade de expressão moderna é indissociável da invenção da imprensa, ou seja, da possibilidade de reproduzir mecanicamente discursos e imagens, fazendo-os circular e durar para além daquele que os concebeu. A própria formação da esfera pública, bem como do ambiente de debate científico e universitário, está umbilicalmente conectada à generalização do acesso aos bens culturais. Sem a disseminação da diversidade e do confronto de opiniões e de teorias, a liberdade de expressão perde seu sopro vital e se torna mero diálogo de surdos, quando não monólogo dos poderosos.

A internet eleva ao máximo o potencial democrático da circulação do pensamento. E coloca, no centro do debate contemporâneo, o conflito entre uma visão formal-patrimonialista e outra material-comunitária da liberdade de expressão. Tal cisão, bem real, pareceria manifestar-se no conflito entre direitos autorais e direito de acesso. Estes não são, porém, necessariamente antagônicos, pois o prestígio moral e econômico de um autor ou de uma obra está, em última análise, ligado à sua visibilidade. São incontáveis os exemplos de escritores e editoras que não só se tornaram mais conhecidos, como tiveram um incremento na venda de suas obras depois que estas apareceram para download. O público que baixa livros é o mesmo que os compra.
Assim, o verdadeiro conflito não é entre proprietários e piratas, mas entre monopolistas e difusionistas. A concepção monopolista-formal dos direitos autorais está embasada na ideia de que aquilo que confere valor à obra é a sua raridade, o seu difícil acesso; já a difusionista-democrática se ampara na inseparabilidade de publicidade e valor. A internet favorece a segunda concepção, uma vez que a existência física do objeto cultural que sustentava a primeira vai sendo substituída por sua transformação em entidade puramente informacional. Desse modo, também se produz uma transformação da natureza das bibliotecas. As novas bibliotecas virtuais se baseiam no armazenamento e na disseminação tais como as antigas bibliotecas materiais, mas oferecem uma mudança decisiva porque a estocagem depende da distribuição e não o contrário: é a difusão que garante o armazenamento descentralizado dos arquivos.
É uma biblioteca sem fins lucrativos e construída nesses moldes modernos e democráticos que se acha sob ameaça devido ao processo movido pela Associação Brasileira de Direitos Reprográficos (ABDR), sob o pretexto de infringir direitos autorais. O alto preço dos livros, o desaparelhamento das bibliotecas públicas e o encarecimento do xerox levaram um estudante universitário a disponibilizar online textos esgotados ou de difícil acesso para seus colegas. A iniciativa cresceu, atraiu a atenção de estudantes e professores de todo o país e se tornou a mais conhecida biblioteca virtual brasileira de textos acadêmicos, ganhando prestígio comparável ao site “Derrida en castellano”, que sofreu processo semelhante e foi absolvido nas cortes argentinas, como esperamos que o “livrosdehumanas.org” o será pela Justiça brasileira.
Os defensores da concepção patrimonialista dos direitos autorais costumam pintar cenários catastróficos em que a circulação irrestrita de obras gera esterilidade criativa. No entanto, ignoram, ou fingem ignorar, que os textos nascem sempre de outros textos e que o autor é, antes de tudo, um leitor. Hoje, lamentamos a destruição das grandes bibliotecas do passado, como a de Alexandria, e das riquezas que elas protegiam. Poupemo-nos de chorar um dia pela aniquilação das bibliotecas virtuais e pela cultura que elas podiam ter gerado.

[1] ALEXANDRE NODARI é Doutor em Teoria Literária pela UFSC e editor da Cultura e Barbárie.
[2] EDUARDO STERZI é escritor e professor de Teoria Literária na Unicamp.
[3] EDUARDO VIVEIROS DE CASTRO é antropólogo e professor do Museu Nacional/UFRJ.
[4] IDELBER AVELAR é crítico literário e professor da Tulane University (Nova Orleans, EUA).
[5] PABLO ORTELLADO é professor de Gestão de Políticas Públicas e de Estudos Culturais na USP, coordenador do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação (GPOPAI).
[6] RICARDO LÍSIAS é escritor, autor de “O céu dos suicidas” entre outros.
[7] VERONICA STIGGER é escritora, professora de História da Arte na FAAP, coordenadora do curso de Criação Literária da Academia Internacional de Cinema (AIC).