Gianni Carta
A recompensa para quem assassinar Salman Rushdie aumentou em 500 mil dólares. A fatwa (pronunciamento legal do Islã) contra o britânico – tradução: uma sentença de pena de morte – remonta a 1989, quando o escritor de origem indiana lançou seu livro crítico do Islã, Os Versos Satânicos.
O prêmio, agora de 3,3 milhões de dólares, se deve ao filme Innocence of Muslims, lançado nos Estados Unidos no final de setembro. Em manifestações no mundo árabe-muçulmano morreram 50 pessoas, inclusive o embaixador dos EUA em Benghazi, na Líbia.
O presidente da Fundação Khordad, o aiatolá Hassan Sanei, declarou às agências noticiosas iranianas que enquanto a ordem do falecido aiatolá Ruhollah Khomeini para matar Rushdie não for executada “os ataques (contra o Islã) como o filme a ofender o Profeta não cessarão”.
Por essas e outras, o aiatolá elevou o valor do prêmio pela cabeça de Rushdie.
Vale lembrar que diante das péssimas relações entre Londres e Teerã, a fatwa contra Rushdie perdeu ímpeto quando em 1998 o presidente reformista Mohammad Khatami tomou distância da aplicação do decreto para assassinar o escritor britânico. No entanto, o sucessor de Khomeini, o aiatolá Ali Khamenei e o atual presidente Mahmoud Ahmadinejad reafirmaram afatwa em 2005 e 2007.
A morte de tantas pessoas no mundo árabe-muçulmano é trágica, mas demonstra o fanatismo religioso que se mescla com, por vezes, uma compreensível raiva do Ocidente. Mas faço minhas as palavras do historiador e filósofo algeriano Malek Chebel, que numa entrevista aCartaCapital defendeu o filósofo francês Robert Redeker, este também vítima de uma fatwaquando, em 2006, criticou no diário Le Figaro o Alcorão e Maomé. “Um filósofo deve filosofar como quiser. Mas defendi Redeker como filósofo, não como teólogo”, disse o muçulmano praticante Chebel.
Fatwas, vale enfatizar, são sentenças de pena de morte. Qualquer humanista ou pessoas de diferentes credos deveriam se opor a esse tipo de barbárie.
Após a fatwa do imã Youssef al-Qaradawi na rede de tevê Al-Jazira, websites islamitas próximos ao grupo Al-Qaeda passaram a circular fotos de Redeker e seu endereço. Redeker tornava-se, assim, o novo Salman Rushdie. Os serviços secretos franceses se mobilizaram e o pesquisador do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS) e integrante do conselho editorial da revista Les Temps Modernes, fundada por Jean-Paul Sartre, passou a viver em diferentes moradias.
Em maio de 2008, Mustapha Dian fez ameaças de morte a Redeker e foi condenado a seis meses de prisão condicional e uma emenda de 150 euros. Prova de que fatwas não são – felizmente – bem-vindas na França.
“Sou uma espécie de refugiado político no meu próprio país”, disse Redeker a CartaCapital.“Normalmente, esse tipo de existência é reservado aos bandidos, aos terroristas perseguidos pela polícia.”
Claro, nem todos aqueles a criticar aspectos do Islã o fazem com base em um pensamento crítico. Nakoula Basseley Nakoula, o suposto produtor do filme Innocence of Muslims, não passa de um ladrão que fez um filme para polemizar e faturar graças aos fundamentalistas norte-americanos e mundo afora. Em 2010, Basseley Nakoula foi condenado a 21 meses de prisão por ter embolsado centenas de milhares de dólares ao roubar as identidades de clientes de agências bancárias na Califórnia.
Mas Rushdie e Redeker são pensadores. E, como diz Chebel, estejamos ou não de acordo com o escritor e o filósofo, eles “têm o direito a filosofar”.