quarta-feira, 30 de maio de 2012

Wagner Moura desafina ao cantar Legião Urbana, mas carisma garante aplausos

O Dia


São Paulo -  Como cantor, Wagner Moura é um ótimo ator. E mostrou isso no show tributo à Legião Urbana que aconteceu nesta terça-feira no Espaço das Américas, em São Paulo, e foi transmitido ao vivo pela MTV Brasil. No Twitter, o nome de Wagner Moura e a hashtag #TributoLegiaoUrbanaMTV estão na lista dos assuntos mais comentados até a manhã desta quarta.
Durante quase duas horas de show, Moura desafinou e cantou fora de tom a maior parte do tempo - e mesmo assim saiu aplaudido. Como? Com carisma e uma excelente atuação.
Houve momentos, por exemplo, em que Moura nem precisou abrir a boca. Bastou estender as mãos para ou dirigir um olhar emocionado que a plateia cantou sozinha. Foi assim em "Quase Sem Querer", "Eu Sei", "Índios", "Há Tempos", "Pais e Filhos" e "Será?", entre outras.
Wagner Moura e Dado Villa-Lobos | Foto: Orlando Oliveira / Ag. News
Wagner Moura e Dado Villa-Lobos | Foto: Orlando Oliveira / Ag. News
Outro truque usado pelo ator foi lembrar, em duas oportunidades, que aquela "poderia" ser a última vez que Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá tocariam canções da Legião, como forma de aumentar a carga emocional da noite.
apresentação começou com um dos maiores sucessos da Legião, "Tempo Perdido". Durante toda a música, foi praticamente impossível ouvir a voz de Moura, tamanha era a vontade que o público cantava junto.
Nas duas canções seguintes, "Fábrica" e "Daniel na Cova dos Leões", o ator permaneceu inaudível. Mas a culpa, nesse caso, foi da péssima qualidade de som do Espaço das Américas.
Foi só em "Andrea Doria" que a voz de Moura apareceu. Primeiro, na conversa com o público, em que ele revelou ser essa a sua canção preferida da Legião. Depois, quando começou a cantar.
Aí foi possível perceber que, apesar de não tentar imitar Renato Russo, o ator copiava alguns de seus trejeitos vocais. Pior: na música seguinte, "Quase Sem Querer", ele imitou os característicos passos de dança do cantor.
Além disso, as versões tocadas eram reverentes demais às originais - com exceção de uma "Geração Coca-Cola" em ritmo de blues, cantada por Dado Villa-Lobos, não houve maiores ousadias nos arranjos.
Nada disso, no entanto, incomodou o público. Pelo contrário: quando a apresentação terminou, após dois bis, a plateia quis mais e pediu "Faroeste Caboclo" em coro. Mas o baterista Marcelo Bonfá respondeu com um "até amanhã".
A apresentação ainda teve participações especiais de Andy Gill, guitarrista do Gang of Four. Com ele, a banda tocou "Damaged Goods" (do Gang of Four), com Dado Villa-Lobos no vocal, e "Ainda É Cedo". Essas duas músicas ainda tiveram a presença de Bi Ribeiro, do Paralamas do Sucesso, no baixo.
Antes, Fernando Catatau, do Cidadão Instigado, havia cantado e tocado guitarra em "Andrea Doria". Clayton Martin, também do Cidadão Instigado, tocou gaita em "Geração Coca-Cola".
Veja abaixo o repertório do show:
"Tempo Perdido"
"Fábrica"
"Daniel na Cova dos Leões"
"Andrea Doria"
"Quase Sem Querer"
"Eu Sei"
"Quando o Sol Bater na Janela do Teu Quarto"
"A Via Láctea"
"Esperando por Mim"
"Índios"
"Monte Castelo"
"Teatro dos Vampiros"
"Geração Coca-Cola"
"Damaged Goods"
"Ainda É Cedo"
"Baader-Meinhof Blues"
"Sereníssima"
"Se Fiquei Esperando o Meu Amor Passar"
"Há Tempos"
"1965 (Duas Tribos)"
"Perfeição"

Bis 1
"Teorema"
"Antes das Seis"
"Giz"
"Pais e Filhos"

Bis 2
"Será?"

As informações são do repórter Augusto Gomes, do IG

domingo, 27 de maio de 2012

Chico Bento pede veto de Código Florestal a 'Dirma'

O Dia


A história do cartunista Maurício de Sousa foi divulgada nesta terça

São Paulo -  Duas ilustrações do cartunista Maurício de Sousa, divulgadas nesta terça-feira, mostram o famoso personagem em quadrinhos Chico Bento, pedindo à presidenta Dilma Rousseff, o veto do código Florestal. No mês passado, o texto da nova legislação ambiental brasileira foi aprovado pela Câmara dos Deputados e está sendo analisado por Dilma, que pode vetá-lo integral ou parcialmente.
Ilustração divulgada no Twitter de Maurício de Sousa mostra Chico Bento pedindo veto do Código | Foto: Divulgação
Ilustração divulgada no Twitter de Maurício de Sousa mostra Chico Bento pedindo veto doCódigo | Foto: Divulgação
Primeiro, a ilustração foi divulgada na página do Twitter do cartunista, onde Chico Bento aparece dizendo: "Veta tudim, dona Dirma”. Em um segundo quadrinho, Chico Bento aparece com outrospersonagens dos quadrinhos: Rosinha, Hiro, Zé Lelé e Zé da Roça, que fazem o pedido à Dilma Rousseff para que sejam evitados possíveis "impactos nas matas, nos rios e nos peixes".
Na mensagem, Chico Bento completa: "Licença, dona Dirma! A gente num intendi muito das coisas da lei mais intendi das nossa necessidade! I nóis percisa das mata, dos rio, dos peixe... I tá todo mundo achando qui isso vai sê mexido pra pior! A sinhora podi ajudá pra isso num acontecê? Nossa gente vai agardecê por toda vida! Eu juro!”.
O prazo para que Dilma apresente possíveis vetos e para sancionar o projeto da forma como está, vai até esta sexta-feira. O ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, disse nesta segunda-feira que a presidenta está fazendo um “estudo hipermeticuloso” sobre o Código Florestal. Frequentes reuniões tem ocorrido entre Dilma e a a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, deste de que o texto foi aprovado, no dia 7 de maio.
Em uma segunda ilustração, Chico Bento e sua turma deixam recado à presidente "Dirma". | Foto: Divulgação


terça-feira, 22 de maio de 2012

'House' se despede em grande estilo em episódio surpreendente

Carla RuasJorna do Brasil

O seriado House se despediu em grande estilo nos Estados Unidos na noite desta segunda-feira, 21, com um especial de duas horas no canal Fox. Na primeira hora, os fãs foram presenteados com uma retrospectiva das oito temporadas do seriado, no formato documentário, como se fosse um extra num DVD da série. Logo após o especial, o último episódio não deixou nada a desejar e ofereceu um final surpreendente para o seriado, no ar desde 2004.
O ator principal, Hugh Laurie, foi o anfitrião deste minidocumentário, realizando entrevistas exclusivas com o elenco, figurinistas, produtores e câmeras. O ator mostrou o clima emocionante de despedida enquanto a equipe se preparava para filmar o último episódio. A atriz Odette Annable, que interpreta a médica Jessica Adams, explica o porquê desta emoção: "nós somos uma grande família. A gente realmente passa mais tempo aqui do que em casa", afirmou.
O especial também mostrou como foram filmados episódios marcantes como "Me ajude", da 6ª temporada, quando Dr. House tenta salvar uma vítima soterrada embaixo de um prédio que desabou. Além disso, discutiu as relações entre os personagens principais: Dr. House, Dra. Lisa Cuddy, e Dr. James Wilson, ouvindo a opinião dos atores que deram vida aos personagens e roteiristas. O próprio Hugh Laurie foi convocado para defender o comportamento controverso do personagem Dr. House num tribunal fictício, onde os "juízes" eram produtores da série.
Mas a parte mais marcante foram os depoimentos de fãs, inclusive de uma brasileira (a bandeira do Brasil bem visível na parede do fundo), agradecendo o seriado pela influência que teve nas suas vidas. A popularidade do personagem Dr. House pelo mundo revela a inesperada simpatia que os fãs sentem por um médico infeliz e egocêntrico. Uma simpatia que fez com que torcessem durante oito temporadas para que ele achasse a solução para os seus problemas, mesmo que isso parecesse cada vez mais difícil.
Logo após o especial, o episódio final começa com House desmaiado no chão. A princípio não fica claro se ele esta na prisão, ou quanto tempo se passou desde o último episódio. Mas quando a câmera amplia e Dr. House abre os olhos, percebemos que ele está em um prédio abandonado que está pegando fogo, ao lado de um corpo desconhecido. Para aumentar o mistério, Dr. Lawrence Kutner (Kal Penn), o ex-funcionário que se matou na 5ª temporada, reaparece como uma alucinação e afirma que House, como ele, é suicida e que se não levantar e sair do prédio, vai finalmente conseguir o que almeja.
Ao longo do episódio, Dr. House tenta reconstruir os acontecimentos que o levaram ao prédio abandonado. Ele lembra que o corpo ao seu lado é de um paciente que estava à procura de medicamentos para suprir sua dependência de drogas. Ele era um corretor da bolsa bem-sucedido, mas após sofrer um acidente que o deixou com muita dor - assim como o House - começou a abusar dos remédios para dor, até se viciar em heroína.
No prédio abandonado, desta vez Amber, ex-namorada de Wilson - outra personagem que morreu, mas num acidente de ônibus -, tenta convencer Dr. House a sair com vida do local em chamas. Ela aparece mais uma vez como a voz da subconsciência de House, uma boa sacada dos produtores que nos ajuda a entender o que realmente se passa na sua mente perturbada.
Dr. House lembra que, ainda no hospital, tentou convencer Dr. Eric Foreman (Omar Epps) e depois seu melhor amigo, Dr. James Wilson (Robert Sean Leonard), a assumirem a culpa pelos banheiros inundados do hospital, o que poderia evitar sua ida para a prisão e assim permitir que passe com Dr. Wilson os últimos meses que lhe restam de vida. Os dois médicos se recusam a ajudá-lo e isso leva Dr. House a desaparecer por dois dias. Os médicos se sentem culpados e procuram por ele desesperados, chegando a conclusão que ele foi atrás de heroína com seu paciente viciado.
Antes de eles encontrarem Dr. House, outros personagens aparecem como alucinações para ele, tentando convencê-lo a levantar do chão e se salvar do incêndio. Sua ex-namorada Stacy Warner (Sela Ward) apela para o seu lado sentimental, mostrando a vida que eles poderiam ter tido juntos - casados e com um filho.
Dra. Allison Cameron (Jennifer Morrison), a médica que secretamente amava Dr. House, apela para a psicologia, primeiro apoiando a sua decisão de suicídio, porque "a vida é muito dura mesmo" e depois dizendo que ele estava na verdade enrolando para deixar que o destino decidisse se ele vai viver ou morrer - o que seria uma atitude covarde.
O argumento funciona e Dr. House levanta, dizendo exatamente o oposto de uma das suas frases favoritas durante o seriado: "eu posso mudar". Ele caminha para a saída do prédio, a tempo de ver Dr. Foreman e Dr. Wilson do lado de fora, mas antes que consiga sair, é consumido pelas chamas seguidas de uma explosão, para o horror de Dr. Wilson.
No funeral de House, todos os médicos retornam (de verdade desta vez) para dizerem apenas coisas boas sobre ele. Até que Dr. Wilson se irrita e diz a verdade: Dr. House era um idiota que insultava a todos e agia sozinho sem pensar nas consequências para quem estava ao seu redor, inclusive na sua morte.
Enquanto discursa no funeral, o seu telefone toca. Envergonhado, ele olha a mensagem que chegou: "cala boca seu idiota". Era House, que a seguir encontra Wilson nos degraus do seu apartamento e revela que fingiu sua morte para passar com ele o tempo que lhe resta de vida. E ao melhor estilo House, a última cena são os dois num lugar paradisíaco andando de moto, sem pressa nem destino. Parece que fingir sua própria morte foi mais um plano mirabolante de Dr. House.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

A felicidade no abismo


Ana Ferraz

Carta Capital

Ser muitos e ainda ser um. Como o protagonista João, no premiado À Beira do Abismo, em que chorou como em nenhum outro filme. Foto: Gabriela Barreto
Ele queria a entrevista aos pés de um baobá, árvore sagrada para os africanos, cujo tronco monumental leva à sugestão de estar de cabeça para baixo. Não se tratava de um baobá qualquer, o que já não seria pouco, mas de um com o qual o ator João Miguel tem uma conexão. Profundamente ligado à natureza, sempre que pode visita o gigante de raízes fincadas no Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Mas a chuva torrencial não permitiu.
Um dos talentos mais requisitados de sua geração, aos 42 anos o baiano criado entre Salvador e Itaparica refaz com serenidade o percurso de quem pratica a arte como espaço de transformação. “Nunca achei que seria um ator premiado”, diz a CartaCapital, a acentuar que não lhe interessa a fama sem lastro. “Não tenho o deslumbre de me sentir um ator. Tem gente que vive do próprio ego, a se carcomer. Não me interessa o reconhecimento pelo vazio. Se for reconhecimento pelo trabalho, então é merecimento e nesse caso não se pode ter falsa modéstia. Aí é suave, é bonito.”
Desde sua estreia como protagonista em Cinema, Aspirinas e Urubus (2005), as premiações foram se acumulando. “O filme já começou no mundo, em Cannes, foi muito bacana ver isso”, relembra João Miguel, a fala mansa, precisa e abundante modulada pelo sotaque aberto. Depois de aplaudida na mostra Um Certo Olhar, a película de estreia do diretor Marcelo Gomes amealhou prêmios dentro e fora do Brasil. Ranulpho, o nordestino que compartilha o caminhão do alemão que faz a vida ao vender o analgésico sertão adentro e afora, revelou João Miguel para um público que talvez não o tenha visto no teatro, a desempenhar um personagem mítico de força colossal: Bispo do Rosário, negro, pobre e louco encarcerado por 50 anos num hospício, cuja redenção se deu pela arte.
“O Bispo foi um preparo longo. A partir dali algo mudou de verdade. Eu tinha 25 anos quando me apaixonei pelo personagem. Vivia uma fase em que fazia perguntas cruciais sobre meu ofício.” Foram quatro anos e meio a maturar o espetáculo. Um processo de dedicação diária. “Visitei partituras de memórias que me ajudaram a entender que eu não queria falar sobre a loucura catalogada, mas sobre a lucidez.”
"Não tenho o vislumbre de me sentir ator. Tem gente que vive do próprio ego, a se carcomer". Foto: Adriana Lorete
A figura do sergipano Arthur Bispo do Rosário (1909-1989), que passou meio século como interno na colônia Juliano Moreira, no Rio, entrou na vida de João Miguel quando ele escrevia para um programa da comunidade afrodescendente baiana, Black TV. “Muitos se decepcionavam ao saber que era eu que fazia o texto, um branco Parmalat, como se diz na Bahia”, diverte-se. Naquele momento, o ator não tinha clareza acerca do que faria com personagem de tamanha envergadura.
“Bispo foi catalogado como esquizofrênico paranoide, viveu num período crucial do Brasil, de ditadura e repressão. Ele se dizia missionário, tinha delírios místicos, não podia pertencer à sociedade. E esse homem ficou 50 anos internado, uma vida inteira em que construiu a partir dos restos de lixo, das linhas que desfiava das colchas. Reconstruiu o próprio entorno como um espaço de arte”, recita João Miguel, o fascínio pelo personagem impresso no olhar. Para Bispo do Rosário, hoje reverenciado como grande expoente da arte, nada do que fazia podia ser classificado como tal. “Estão dizendo que faço arte. Quem fala não sabe de nada. Isto é minha salvação na Terra”, recorda o ator, que até hoje se pega a repetir as falas do monólogo.
oão Miguel revolve a infância à procura do ponto de conexão com o personagem que levaria aos palcos do País. “Visito Bispo do Rosário a partir do que ele me inspira: aspectos de afirmatividade de pessoas da raça negra que passaram por minha vida, porque de alguma maneira eu nasci numa África brasileira, passei boa parte da infância em Itaparica, onde convivi com negros muito fortes, pescadores. O Bispo representava para mim, lá dentro da minha memória, esse tipo de pessoa que foi fundamental na minha formação.”
Representar o místico em seu labirinto criativo mudou a vida do ator. “Este homem construiu uma obra de 950 peças com uma dimensão que sai da catalogação do louco. Num mundo onde nos aprisionam pela catalogação só é possível ser feliz se não nos importarmos com essas rotulações.” O contato profundo com o personagem dinamizou as reflexões do ator sobre os marginalizados. “No Brasil, com essa mistura de culturas e etnias, essas pessoas nos ensinam muito mais que faculdades. Fala-se muito pejorativamente do jeito brasileiro de sobreviver, mas num país em que a raiz é comprometida por tantos interesses que desde o início vieram de fora é difícil entendermos quem nós somos.”
A felicidade de dialogar com a lógica de um artista que considera brilhante foi levada ao Brasil profundo. O que João Miguel vivenciou no périplo de representar em lugares talvez improváveis deixou memórias indeléveis. “Me apresentei em salas pequenas, ouvi coisas lindas de pessoas que nunca haviam visto teatro. No interior de Pernambuco um homem perguntou se o manto que eu usava era do Bispo do Rosário. Ele estava tão envolvido com aquilo tudo a ponto de achar que a roupa era de fato dele. Em Caruaru, uma pessoa me perguntou: ‘Você já enlouqueceu? Tenho medo de enlouquecer.’ Ouvi coisas muito íntimas a partir de um trabalho também íntimo.”
"Ninguém viu meu apogeu. No início de carreira tive a felicidade de me comunicar com o desconhecido"
A parafrasear o amigo Siba, mestre da rabeca, João Miguel comenta, riso solto: “Ninguém viu meu apogeu. No início da carreira tive a felicidade de me comunicar quase com o desconhecido e perceber que isso vai crescendo.” Na gênese de tudo está o garoto, filho de mãe artista plástica e de pai envolvido com teatro político, a desenhar personagens, insuflar-lhes vida por meio de histórias criadas na brincadeira espontânea a durar horas. “Eram quase pequenas sagas.”
Tímido, João Miguel descobriu cedo o espaço do jogo, da brincadeira, da representação. A irmã foi sua primeira espectadora. Depois vieram conhecidos, encantados com o pequeno criador de histórias. Aos 11 anos, foi levado para participar do programa de tevê Bombom Show, protagonizado por crianças. “Entrevistei pessoas como irmã Dulce, Glauber Rocha e Dadá Maravilha. Eu encarava aquilo como uma extensão do que já fazia em casa.”
Dos 14 aos 17 anos, integrou o grupo teatral Tantas e Tamanhas, em que protagonizou sua primeira peça, A Viagem de um Barquinho. “Venho de uma geração que viveu uma pulsação cultural muito forte em Salvador, a congregar todas as linguagens, música, cinema, teatro, literatura, artes plásticas. Isso tudo de alguma forma estava no inconsciente da cidade.” Aos 18 anos, assumiu o desafio do ofício. Fez as malas e chegou ao Rio sozinho. “Era quase um outro país.” Alugou um quarto em Botafogo e foi estudar teatro na Casa de Arte Laranjeiras.
Ali surge o personagem sem o qual nenhum dos outros existiria. O palhaço Magal, como os amigos mais chegados o chamam. “O palhaço, de início, era a ponte com a criança, com a possibilidade de trazer a infância ao agora, não como uma coisa nostálgica, mas algo a se conectar com força no presente, a se permitir desnudar-se, não ter medo do ridículo, da espontaneidade, do inconsciente. É a possibilidade de você existir do jeito que você é.”
Do palhaço ao Bispo, deste ao cinema, tudo foi sendo construído ao longo do grande jogo em que a forte intuição é aflorada pelo trabalho. Para João Miguel, vida emocional, crenças, procuras, tudo vem misturado ao fazer de ator, no caso dele um assumido apaixonado por gente. “Todo mundo tem histórias para contar. Conto as que posso. Não saber exatamente como isso se dará me interessa muito. Viver em desafios, entrar em processos de criação, se permitir o abismo. Quando faço uma cena, de alguma maneira é uma morte e um nascimento de algo.”
Ao deixar o palco e se abrir para “a chegança de uma linguagem nova, o cinema”, João Miguel sentiu o tranco. Em especial em Cinema, Aspirinas e Urubus. “No primeiro momento foi abismal. Fiquei muitos dias sem dormir e cheguei para o Marcelo e disse que não dava para fazer isso sempre, pede uma energia sobrenatural.”
Para o intérprete, o personagem nasce do corpo, o grande armazenador de memórias. “O gesto vem daí, não da cabeça.” Em Estômago (2007), direção de Marcos Jorge, ele misturou vários sotaques nordestinos num só personagem, Alecrim. “Para mim aquele cara era um imigrante que pode ser de qualquer interior do mundo.” O ator indagou o diretor sobre o motivo de o personagem principal ser do Nordeste. “Ele pensava num nordestino como referência de pessoas hábeis na cozinha. Em São Paulo, todos os chefes são cearenses e às vezes eles viram japoneses”, brinca. “Acho incrível essa possibilidade de ser influenciado e não perder a essência.”
Em 2011, João Miguel viveu uma experiência inédita: interpretou o cangaceiro Belarmino na novela global Cordel Encantado. “O personagem me atraiu muito, um cangaceiro feminino e farsesco, a fazer a ponte entre o esconderijo do bando e a cidade. Tudo muito a ver com o palhaço.” Belarmino, a cada momento um disfarce, caiu no gosto do público. “Foi bacana aceitar. É uma indústria e cheguei com respeito.”
Neste ano João Miguel fez Xingu, de Cao Hamburger. “Foi incrível, pois Claudio Villas-Boas era um homem notável. E no caso de um personagem real todos o verão de acordo com a sua leitura.” Agora, acaba de sair da pele de João, caminhoneiro que foge de uma história perturbadora em À Beira do Caminho, drama dirigido por Breno Silveira que ganhou seis prêmios no 16º Filme PE. “Eu me acabei nesse filme, chorei como em nenhum outro na vida.”
Para um homem sempre atento em calibrar a medida do ego, uma carreira internacional não exerce fascínio. Em especial nos Estados Unidos. “Não tenho esse vislumbre. Sonhar no Brasil já é muita informação.” Admirador de José Dumont, “um gênio que influenciou muito minha geração”, de Marcelo Mastroianni, Al Pacino e Robert de Niro, Ângelo Antônio, Leandra Leal, Julio Andrade, Lila Guedes e William de Santis, João Miguel jamais perde de vista as origens. “No lugar onde nasci tinha o mundo, o universo.” Dali ele saiu e ali ele sempre retorna, feliz com o privilégio de representar muitos e ainda continuar a ser ele mesmo

domingo, 20 de maio de 2012

Lady Gaga- O bullying no centro do debate

Carta Capital


Uma das cenas mais impressionantes de “Bully”, o documentário assumidamente militante de Lee Hirsch em cartaz nos EUA, se dá na sala da casa de Alex Libby, 12 anos, na fronteira dos estados de Iowa e Nebraska, no coração da América Profunda. Os pais do menino, uma criança tímida, que usa óculos fundo de garrafa e carrega marcas físicas do nascimento prematuro, vêem pela primeira vez o que o público das salas de cinema constataram, horrorizados, minutos atrás: os ataques, verbais e físicos, por que Alex passa diariamente ao tomar o ônibus escolar. Ao choque dos pais segue-se a reação doída do menino: “Mas o que eu posso fazer? Eles são os únicos amigos que tenho”, diz. A sequência segue com a visita dos pais ao colégio local, onde são recebidos pela diretora, interessada em minimizar as seguidas agressões. Seu discurso, centrado na premissa de que “meninos serão sempre meninos”, serve de contraponto ao cerne do filme de Hirsch: o que antes era visto como fato inevitável no processo de amadurecimento do indivíduo é cada vez mais percebido como um problema social ou mesmo caso de saúde pública, e não apenas nos EUA.
ONG da cantora Lady Gaga e tocante documentário expõem violência juvenil. Foto: Divulgação
Especialista em infância e adolescência, o psiquiatra brasileiro Gustavo Teixeira, professor da Universidade Estadual de Bridgewater, no Massachusetts, e com consultório no Rio de Janeiro, acaba de lançar “Manual Antibullying – Para alunos, pais e adolescentes” (Editora Best-Seller), em que discute estratégias para pais e educadores detectarem e ajudarem na prevenção dobullying. “É importante definir bem o que é o bullying escolar, para combatê-lo de forma ideal. Ele se dá quando há uma relação de poder desigual entre dois indivíduos e pela frequência com que a criança ou o adolescente sofre atos de violência física ou moral “, diz, em entrevista à Carta Capital. Teixeira constata a explosão de um ‘processo de conscientização’, tanto nos EUA quanto no Brasil, referente às dimensões do problema. “Crianças que sofrem bullying têm mais problemas de aprendizado. O investimento em uma estrutura de apoio tanto na escola quanto em casa é fundamental e faz sentido também do ponto de vista econômico”, defende.
Recentemente, a Universidade Federal Fluminense (UFF) anunciou os resultados de uma pesquisa inédita realizada entre 2010 e 2011 em 53 escolas públicas e particulares do Rio de Janeiro e em dois dos mais populosos municípios do Grande Rio, Niterói e São Gonçalo, em que identificou a ocorrência de casos constantes de violência contra alunos em 68% das instituições de ensino. Mais: em 85% das escolas, psicólogos não fazem parte da folha de pagamento. Assistentes sociais também são artigo raro. “Como começamos a lidar com o problema de forma mais clara muito recentemente, infelizmente ainda contamos com pouquíssimas iniciativas e projetos de lei que insinuem o estabelecimento de uma política de Saúde Pública nacional de combate ao bullying no Brasil”, acrescenta Gustavo Teixeira. Em 2010, a ONG Plan Brasil completou a pesquisa “Bullying Escolar no Brasil”, de âmbito nacional, em que quase 70% dos estudantes disseram já ter presenciado atos de violência sistemáticos, praticados ao menos três vezes contra a mesma pessoa no mesmo ano letivo. Os dados, referentes a 2009, foram computados em 5.168 entrevistas com alunos de escolas públicas e privadas de todo o país.
Nos EUA, uma das figuras públicas mais progressistas do universo pop, a cantora Lady Gaga veio a público em março anunciar que, como ex-vítima de bullying em Nova York (entre as malvadezas por ela sofridas está a de ser jogada dentro das especialmente fétidas latas de lixo da maior metrópole americana), decidira criar a Fundação Born This Way (algo como ‘nascido(a) deste jeito’), uma parceria com a Universidade de Harvard. Um dos objetivos da instituição é desenvolver iniciativas de combate ao bullying, visto não apenas como uma das formas mais covardes de violência, mas como inibidor da excelência acadêmica. Gaga, uma estudante exemplar, chegou a considerar deixar os estudos de lado para evitar a perseguição em sala de aula. “Mas a Fundação não é de forma alguma um ato de vingança. Quero, através dela, aprofundar-me mais sobre as raízes das diversas formas de injustiças sociais e mobilizar jovens para ajudar a modificar o status quo”, declarou, em Cambridge, Massachusetts, no lançamento da “Born This Way”.
Do outro lado dos EUA, na sessão de “Bully” em Los Angeles a que a reportagem da Carta Capital compareceu, a reação do público beirou a catarse. Do choro contido em cenas de desabafo das vítimas ao desaguar sonoro causado pela informação de que dois dos cinco adolescentes focados pela câmera de Hirsch se suicidaram, “Bully” não é uma experiência pueril. A mobilização pública que acontece em uma cidade da Geórgia depois de o adolescente Tyler Long, de 17 anos, tirar sua própria vida, proporciona um dos momentos mais reveladores do filme, ao sacudir pais e educadores de um aparente estado de letargia. Mas o aspecto mais incômodo do lado de cá da tela foi a ausência do público-alvo preferencial do filme: não havia adolescentes desacompanhados na platéia.
O aparente deserto juvenil se deu por conta da decisão do organismo responsável por determinar a faixa etária indicativa de cada filme, a Motion Picture Association of América (MPAA), de classificar o filme como de projeção restrita (R), com menores de 17 anos liberados nas sessões apenas com autorização dos pais ou de um guardião legal. O motivo? Expressões chulas ditas pelos meninos que agrediram Alex Libby no ônibus escolar. Curiosamente, nas salas ao lado da ocupada por “Bully”, adolescentes de 13 anos conferiam livremente o arrasa-quarteirão “Jogos Vorazes”, em que jovens se matam em um reality showperverso realizado em um universo distópico. No mundo nem sempre maravilhoso de Hollywood a violência realista da fantasia “Jogos Vozares” é menos perigosa do que as ameaças cruas do cotidiano apresentadas em “Bully”.
A decisão gerou protestos de gente como Meryl Streep, Johnny Depp, a apresentadora Elle DeGeneres, as cantoras Katy Perry e Lady Gaga e o apresentador da CNN Anderson Cooper, todos recrutados pelo distribuidor de “Bully”, Harvey Weinstein, que já prometeu fazer campanha para o documentário no próximo Oscar. A estrela teen Demi Lovato, que esteve no Brasil este mês, pediu para seus seguidores no twitter assinarem um abaixo-assinado na internet, iniciado pela adolescente Katy Butler, afim de forçar uma reavaliação da MPAA. Depois de tamanha pressão, o filme acabou recebendo a mesma graduação de “Jogos Vorazes”.
A polêmica acabou ajudando a transformar o filme no que Hirsch sonhava: um evento nacional, voltado para a denúncia do bullying. De acordo com os produtores de “Bully”, cerca de 13 milhões de estudantes sofrem violência escolar sistemática todos os dias nos EUA. Em uma das primeiras atividades promovidas pelo “Projeto Bully”, ação social parelha ao lançamento do filme, astros da série Glee, de forte apelo adolescente, e atletas do time de beisebol Yankees, de Nova York, incluindo as estrelas Derek Jeter e Alex Rodriguez, gravaram vídeos incentivando uma reação das “comunidades americanas” à praga social do bullying. Na saída da sessão conferida pela Carta Capital, jovens voluntários ofereciam panfletos e cartilhas educativas voltadas para o tema.
Uma semana antes do lançamento de “Bully”, o canal de tevê à cabo Cartoon Network, voltado para os públicos infantil e adolescente, apresentou o especial “Pare com o Bullying: Denuncie!” Entre os apresentadores, ninguém menos do que o presidente Barack Obama. Os depoimentos de vítimas do bullying, que ainda podem ser conferidos online, acabaram funcionando como preparação para a explosão de “Bully” que, para o crítico de cinema do New York Times A.O.Scott, além de acompanhar o drama de cinco famílias americanas, “trata do surgimento de um movimento, documenta de fato a mudança de consciência que ocorre quando indivíduos oprimidos descobrem não estar sozinhos e decidem se dedicar ao árduo trabalho de alterar as condições intoleráveis até então consideradas, a grosso modo, como inevitabilidades da vida”.
“O filme nos força a confrontar não a crueldade de crianças específicas, com seus problemas e virtudes, mas investiga o quão enfronhada em nosso sistema educacional e, portanto, na sociedade americana, esta crueldade se encontra. Sua intenção inicial é mexer com nossos sentimentos, não construir teorias ou criar debates. E sua audiência ideal não são intelectuais de meia-idade e sim estudantes que se vêem no meio de uma crise que o documentário ilumina de forma poderosa”, escreve.
Tamanha exposição gerou uma reação ao documentário na imprensa conservadora. A capa do caderno de idéias do Wall Street Journal foi ocupada na virada do mês por uma foto imensa de um menino loiro, os punhos cerrados, vestido com um uniforme que incluía impecável camisa branca e gravata listrada.  O título, impresso em letras garrafais, dá o tom da pensata: “Inimigo público número 1?”.
Assinado pelo editor da revista Reason, Nick Gillespie, autor de “A Declaração dos Independentes: Como Políticas Libertárias Podem Resolver os Erros da América”, o texto refuta a existência de uma epidemia de bullying no país, acusa os responsáveis pelo documentário, a Casa Branca e setores importantes da academia de histerismo injustificado e vilanização de jovens e termina com uma baita provocação: “Nosso problema não é um mundo em que aos ‘bullies’ tudo é permitido, mas um onde crianças como as que aparecem no especial do ‘Cartoon Networks’ parecem estar convencidas de que são vítimas impotentes”.
“Felizmente, no Brasil, a discussão não se dá neste patamar. Não há questionamento sério sobre um processo equivocado de vitimização de quem sofre o bullying. Percebo haver aqui o consenso de que se é preciso prevenir o ato violento produzido pelo desequilíbrio de poder. O que precisamos, agora, é de meios e de estrutura para enfrentar o problema”, diz Gustavo Teixeira.
“Bully”, premiado nos festivais de cinema de Los Angeles, Zurique, dos Hamptons e de Bergen, além do prestigioso Silverdocs, produzido pelo canal Discovery, infelizmente ainda não tem lançamento previsto no Brasil.

O brinquedo da vez

Folha da Manhã



Já dizia o filósofo Nietzsche, em seu conceito do Eterno Retorno, que estamos sempre presos a um número limitado de fatos, fatos estes que se repetiram no passado, ocor- rem no presente e se repetirão no futuro. Quando ele escreveu isso não deve ter pensado no mundo dos brinquedos infantis, mas até aí, a ideia se encaixa. Os antigos brinquedos que faziam a diversão da molecada nas décadas passadas são os mesmos brinquedos que fazem a diversão deles nos dias de hoje, mesmo em época de super videogames e televisão 3D. Eles surgem e desaparecem de acordo com o tempo, mas, no final, estão todos aí: o pião, o bambolê, as balebas e — é claro — o grande sucesso do momento, o bate-bate ou bat-bag.
Passatempos e brincadeiras de rua, às vezes, parecem estar se tornando muito distante da infância dos mais novos. Ser criança parece não ser mais o que era há algumas décadas, ou mesmo, alguns anos. Porém, quando a mais recente versão de um videogame chega às lojas, as crianças, simplesmente, olham para o lado e pedem um brinquedinho diferente. Lá está ele, o bate-bate.
Simples e divertidos, eles exercitam o imaginário e a fantasia das cri-anças e dependem largamente de seu entrosamento e interação. Educadores e especialistas de todo país creditam a esses simples brinquedinhos a promoção de uma maior interação entre jovens, nesta época marcada pe-la individualidade.
Mas há quem não dê crédito a esse resgate de costumes. Para o sociólogo e professor Aristides Soffiati, tudo não passa de pura manobra comercial.
— Existe um micromeio, que produz a cultura de massa e a lança para o macromeio, a população. Eles nunca perdem contato e quando o micromeio percebe tendências no macro, as elabora e lança para consumo. A cultura tradicional é criada pelo próprio coletivo de um meio, mas o que vemos aqui é a mídia ressuscitando a moda e colocando-a em prática em nome da economia de mercado. É a cultura de massa, dita pelo mercado e consumida — diz Soffiati.
Mas nem todos compartilham desta opinião. Segundo Márcia Pessanha, educadora e professora de Pedagogia, conhecer brinquedos antigos, e adequá-los aos dias atuais, adaptando-os ao cotidiano escolar, são tarefas benéficas à formação dos pequenos.
— Não creio que a volta dos brinquedos antigos seja uma estratégia comercial, até porque eles custam baratinho, duram muito e podem ser compartilhados por várias crianças, o que foge totalmente das intenções do mercado — explica a educadora, ao acrescentar que a interação com os brinquedos antigos possibilita um exercício muito maior da criatividade das crianças.
— Os “velhos” brinquedos são simples, mas permitem o exercício fantástico da superação de dificuldades e até mesmo das limitações. Eles vão tornando o usuário, cada vez mais hábil, à proporção que brinca e descobre formas novas de brincar. Os brinquedos antigos, com certeza, diminuem a distância entre pequenos e grandes, permitem brincar junto e redescobrir prazeres simples, mas preciosos — completa.
Para os pais, a nova onda de brinquedos do passado traz pontos positivos e negativos. A comerciante Violeta Moraes, de 38 anos, se diz contente com o bate bolas do filho. “É uma brin- cadeira saudável, que inclusive traz coisas em comum entre nós: eu e meus irmãos brincávamos disso, e agora vejo minha infância refletida em meu filho. Claro que tudo precisa de limite. Imagine o barulho do bate bolas o tempo todo?”, conta.
Em novas ou velhas versões, os brinquedos continuam cum- prindo a mesma função. “Tu-do na vida é circular, como o próprio planeta. Chegamos a um ponto, que se faz necessá- rio recuperar o brinquedo per- dido, ele torna o sujeito melhor, mais disposto a estar em comunidade. Um verso, de uma canção conhecida, estaria bem posto aqui: ‘De volta ao começo...’ Por quê? Porque assim tem que ser”, finaliza Márcia Pessanha.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Comissão de Justiça aprova PEC da Música

Carta Capital


Foi aprovada nessa quarta-feira 9 na Comissão de Constituição de Justiça uma Proposta de emenda à Constituição que isenta de impostos CDs e DVDs com obras musicais de autores brasileiros. Conhecida como PEC da Música, seu objetivo é reduzir o preço dos produtos ao consumidor, desestimulando a pirataria.
A iniciativa dá isenção tributária a CDs e DVDs produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e obras em geral interpretadas por nossos artistas. A PEC também contempla os suportes materiais ou arquivos digitais que contenham essas produções, mas o benefício não alcança o processo de replicação industrial, que continuará a ser tributado.
Em seu voto favorável, o senador Eunício Oliveira (PMDB-CE), relator do projeto, lembrou que se a isenção for efetivada irá assegurar ao setor fonográfico benefícios fiscais já concedidos a livros, revistas e jornais. Para o senador Aécio Neves (PSDB-MG), a PEC vai impulsionar a vendagem e o lançamento de novos artistas no mercado.
Em nome da Frente Parlamentar da Cultura, a senadora Ana Rita (PT-ES) também se manifestou a favor da proposta, observando que a medida pode reduzir os preços de CDs e DVDs em 25%. Os senadores Inácio Arruda (PCdoB-CE) e Francisco Dornelles (PP-RJ) também seguiram a recomendação da Frente Parlamentar da Cultura.
Cantores como Ivan Lins e Raimundo Fagner também se posicionaram favoravelmente à emenda.
Zona Franca de Manaus
A matéria foi aprovada com o voto contrário do senador Eduardo Braga (PMDB-AM). Para ele, há um risco de a desoneração fiscal da produção musical ameaçar a indústria fonográfica e de vídeo instalada na Zona Franca de Manaus. “Nós, do Amazonas, não temos nada contra incentivos à cultura nem aos compositores e intérpretes da música brasileira. Mas acreditamos que a aprovação desta PEC não garantirá o combate à pirataria e não terá os efeitos esperados pelos seus defensores”, argumentou.
O senador também informou que a Zona Franca de Manaus detém 98% da indústria fonográfica e de vídeo e emprega sete mil trabalhadores no setor.
A senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) também ressaltou o temor de que essa isenção tributária venha provocar o deslocamento do parque produtivo de Manaus para outras regiões do país, mais especificamente para o eixo Rio-São Paulo, que concentra 80% dos consumidores desses produtos.
Os senadores Magno Malta (PR-ES), Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), Pedro Taques (PDT-MT), Álvaro Dias (PSDB-PR) e Ricardo Ferraço (PMDB-ES) também deram apoio à proposta, que vai ao Plenário do Senado para votação em regime de urgência.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Doce desespero


Matheus Pichonelli

Carta Capital

Foram dez anos sem se ver. Num encontro de turmas, desses facilitados pelo Facebook, com chácara, churrasco e piscina, notou que ela usava aliança na mão esquerda e esperava um filho. Ele acabava de encerrar um relacionamento de anos que morrera de maduro.
Foi doido por ela por muito, muito tempo: talvez entre os 14 e 17 anos. (Nessa idade, um ano vale por sete, como aos cães). Foram tempos de encontros, cartas, trocas de olhares e confissões. Mas o distanciamento era inevitável: as meninas amadurecem mais cedo, são sempre mais vivas e prontas para serem mulheres enquanto os meninos ainda engatinham no corredor da escola com soquinhos, pontapés e bolinhas de papel (alguns ainda erguem as cuecas dos colegas até o pescoço e saem correndo).
Com os anos, tornou-se um sujeito respeitável, mas ela… bem, ela andava longe do esplendores colegiais – é o que sentenciaria mais tarde o meu amigo. Ainda assim, ao vê-la, confessou ter tido a sensação de voltar a ter novamente 14 anos. No reencontro, passou o tempo todo gaguejante, hesitante, fraco, inseguro, sem-graça e com vontade de sair correndo; enquanto ela parecia ainda reinar absoluta no alto de um pedestal inescapável.
A atriz Michelle William no papel (e na banheira) de Marilyn Monroe

As ironias: o primeiro amor é, de fato, um doce desespero. Quem afirma não sou eu nem meu amigo, mas Sybil Thorndike (a atriz britânica interpretada por Judi Dench em Sete Dias com Marilyn) ao testemunhar o encanto e ansiedade do jovem Colin Clark quando fica a poucos metros de Marilyn Monroe.
Até aí não há grandes novidades: se havia um dom maior que todos os outros em Marilyn era o de ser notada e provocar suspiros por onde passasse. Podia estar em meio a trezentas pessoas, mas era a ela que se endereçavam e se concentravam os olhares. Anonimato para ela era uma palavra simplesmente incompatível. Esse dom raro é o caminho para a destruição, como escreveu Gabriel Garcia Marquez sobre sua Remédios Buendía, a personagem de Cem Anos de Solidão que provocava um “insuportável estado de íntima calamidade” à sua passagem”. Mas Marilyn, diferentemente de Remédios, era consciente “da aura inquietante em que se movimentava”.
No filme de Simon Curtis, ela é observada de perto sem perder a aura. Levada a Londres para filmar O Príncipe Encantado, é pajeada e paparicada o tempo todo. Ainda assim, é invadida por uma crise de confiança e solidão – algo que artistas como ela parecem sempre imunes. Assustada com o ritmo, o lugar, a forma metódica e rude do diretor britânico Laurence Olivier, Marilyn se comporta como um bicho do mato, a quem todos devem manipular para obter o resultado desejado, com remédios para dormir, remédios para acordar e remédios (muitos) para se acalmar.
Nesse turbilhão, ela se apega ao terceiro assistente de direção, o inglês Colin (Eddie Redmayne), o único da equipe aparentemente capaz de olhar em seus olhos sem mentir. O encontro improvável é uma tragédia anunciada.
À medida que a conhece de perto (na primeira vez, sem maquiagem), Colin, que mais tarde ganharia fama escrevendo suas memórias daqueles tempos (o personagem real morreu em 2002), amplia o encanto sobre a excêntrica celebridade americana. Caminha, assim, descalço sobre uma lâmina de espada: Marilyn, ao mesmo tempo que atrai, também ofusca, assusta, consome e expulsa quem estiver ao seu redor – algo que Michelle Williams leva à tela com impressionante semelhança. (Prova disso é que o escritor Arthur Miller, ex-marido de Marilyn, após semanas sendo acordado de madrugada com homens à sua janela fazendo serenata à mulher, suportou o turbilhão por apenas três semanas).
O filme mostra a distância entre a mulher que Marilyn gostaria de ser e aquela que ganhou fama. É um conflito permanente, reforçado pelos apelos do jovem Colin, uma das poucas faces reais em meio a tanta pompa. Mas deixar de ser a estrela que todos esperam era ainda mais difícil do que ser Marilyn Monroe. O peso da escolha é conhecido por todos: a partir daquele filme, foram praticamente 15 anos a mil, colecionando sucessos, tombos e mais fama. E espalhando corações espatifados pelas calçadas.
'O primeiro amor é um doce desespero'

Pobre Colin, que, enquanto escrevo, segue estático, encantado e destruído ao assistir no set de filmagens a mulher que foi sua por breves e inesquecíveis dias.
Todos fomos Colin em algum momento da vida, pensava eu à saída do cinema. A frase de Thorndike (“o primeiro amor é um doce desespero”) ainda ecoava quando, à saída da sessão, esbarrei no cartaz do filme de Beto Brant e Renato Ciasca, Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios, baseado no romance homônimo de Marçal Aquino.
É um dos títulos mais atraentes da literatura brasileira contemporânea – há quem o repita frequentemente ao ser assaltado por uma bela imagem nas ruas pelo caminho: “eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios…”
Não deu outra: entrei na segunda sessão. Parecia um contraste. Acabava de sair de uma Londres fria e aparentemente sem microorganismos vivos e fui direto para o sul do Pará, estado quente e chuvoso onde Camila Pitanga, interpretando a misteriosa Lavínia (a mulher de um pastor, ex-prostituta que se encanta por um forasteiro), faria Marilyn parecer uma tia vitoriana no Brasil.
Sai o jovem Colin e entra Cauby (Gustavo Machado), o fotógrafo que vai à Amazônia conhecer o seu país mais profundo e se perde ao encontrar a dúbia Lavínia, outro turbilhão da série “doces desesperos”.
O cartaz torna o título auto-explicativo. Qualquer um receberia as piores notícias daqueles lábios. Mas o filme, como o livro, deixa aberta a compreensão de outra obra de Marçal Aquino:O Amor e Outros Objetos Pontiagudos.
Lavínia, personagem de Camila Pitanga em "Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios"

No filme, Brant e Ciasca reproduzem o que já haviam desenhado em Cão Sem Dono: o encontro e a perdição, a solidão e a espera, a entrega e a adoração – tudo rasgadamente pontiagudo, regado a suor, lassidão, devaneios, desejos e medo.
Eu Receberia tem como mérito traduzir na tela a aflição de uma tragédia prestes a explodir toda vez que o coração salta à boca.
A violência do entorno (o desmate, a pistolagem, as ameaças, as traições, a fé e a violência que movem montanhas e provocam feridas) é o pano de fundo de um Brasil real.
Mas não faz arranhão perto dos amores doces e desesperados que pulsam nos lugares mais inóspitos – seja um set de filmagens em Londres, uma casa encravada na selva ou num velho encontro de turmas de colegial.