terça-feira, 2 de outubro de 2012

Conversando com a pianista Maria Josephina Mignone

Jornal do Brasil
Maria Luiza Nobre


A coluna conversa hoje com a pianista Maria Josephina Mignone que, com o saudoso maestro Francisco Mignone, formava um dos casais mais queridos do meio musical brasileiro. Jô, como era carinhosamente chamada por Mignone, a quem ela devolvia o amor e carinho chamando-o de Franz, faz parte da história da música no Brasil, assim como Mindinha Villa-Lobos. Sua árdua e difícil tarefa é cuidar de um acervo, de administrar a obra, os direitos autorais, e o principal, não deixar esta obra ser esquecida. Para isto nossa querida Jô é batalhadora, lutadora, conseguindo sempre manter a obra de Francisco Mignone entre as mais executadas nas salas de concertos.
O importante é nunca esquecer -  às vezes tem que se bater na mesma tecla - que o autor é o primeiro que deve  ser reverenciado, o primeiro que deve ganhar, porque sem as composições, as obras, não existiriam maestros, instrumentistas, orquestras, instrumentos, CDs, gravações, estúdios, designs gráficos, temporadas de concertos, festivais, enfim, tudo o que gera dinheiro e propicia o ganho de dinheiro para várias pessoas. Sem o autor não tem obra, e sem obra não tem nada, não tem criação. 
Maria Josephina, Jô para os mais íntimos, você e o maestro Francisco Mignone formavam um dos mais queridos casais do meio musical. Ele, compositor e pianista, e você, também pianista e sua musa inspiradora. Como é viver com um grande compositor, sendo a sua mais fiel intérprete?
Francisco e Maria Josephina Mignone
Francisco e Maria Josephina Mignone
Tenho o maior prazer de responder suas perguntas sobre minha convivência  com o Franz  (como eu o chamava na intimidade). Conviver com Francisco Mignone era muito fácil, ele tinha todas as qualidades para tornar-me feliz: marido carinhoso, mestre dedicado. Também que era um grande cozinheiro. Com ele aprendi muitos pratos italianos. Quando eu  tinha que tocar com orquestra, ele estudava comigo e fazia o segundo piano quantas vezes fosse necessário, deixando-me sempre com liberdade  para  interpretar.  Quando tocávamos a dois pianos, sempre me pedia para tocar de memória, porque meu desempenho era muito mais musical.  Enfim,  só me dei conta de sua genialidade após seu falecimento, tal era a sua simplicidade em casa. 
O maestro Mignone era, além de um grande compositor, um poeta, fato que poucos sabem. Você pode nos contar? 
Mignone era um grande poeta e deixou inúmeras poesias a mim dedicadas.  Desde o nosso primeiro encontro, todas as noites ele me escrevia lindas cartas de amor (com minha resposta)  e assim tenho  uma enorme correspondência, as mais lindas cartas de amor já escritas, que eu pretendo um dia publicar, assim como Roberto Schumann escreveu também para sua amada Clara. 
Todos sabemos que você é uma trabalhadora árdua na divulgação da obra de Francisco Mignone, tendo sempre viva a sua memória. Todo grande compositor tem a sua obra, sendo trabalhosa sua administração, uma vez que os licenciamentos são muitos, em diversas partes do mundo, requerendo além do trabalho, muita atenção. Como você lida com este trabalho que, mais do que empresarial, trata da sobrevivência de um legado?
Minha responsabilidade com a obra de Francisco Mignone tem me custado noites de insônia pelas dificuldades que enfrento em nosso país, onde o governo não se interessa pelas obras dos compositores clássicos falecidos e a família é obrigada a cuidar para divulgação e sobrevivência da  mesma.  Tenho tido muitas decepções com a Biblioteca Nacional, porque  eu tive a infelicidade de doar  as obras de meu marido, pensando que seria  a melhor maneira de os jovens e interessados terem acesso às partituras. Foi exatamente o contrário. Eles sepultaram a obra de Mignone, dificultando o acesso dos músicos interessados. Eu recebo inúmeras reclamações da dificuldade que a Biblioteca Nacional cria para atender os interessados residentes no Brasil e no Exterior. Várias obras de Mignone estão extraviadas e agora mesmo estou à procura do terceiro Ato da ópera  O Contratador de Diamantes, que sumiu misteriosamente. Vários  balés também estão perdidos, como por exemplo o balé Yara,  um dos mais famosos trabalhos de Mignone também  foi vendido para colecionadores, e o governo do Brasil deveria  me ajudar a conseguir pelo menos uma cópia  deste importante balé.  E assim você pode imaginar como é difícil lidar com tantas dificuldades. Eu teria muita coisas para contar, porém isto exigiria muito fôlego, o que já está me faltando. Assim, fico por aqui, e espero que você me ajude nesta batalha difícil   que enfrentamos no Brasil.
Obrigada, Maria Josephina Mignone, pela conversa.