quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Mascate do cangaço


Orlando Margarido

Carta Capital


Benjamin Abrahão – Entre Anjos e Cangaceiros
Frederico Pernambucano de Mello
Escrituras, 352 págs., R$45

Quando ao lado do herói de sua façanha, Benjamin Abrahão anotava atentamente as impressões numa caderneta. Em português titubeante, deixava as sentenças menos comprometedoras. Para as que pudessem condená-lo, recorria à língua materna. O sírio emigrado ao Brasil em 1915, que se embrenhou no Nordeste para se tornar dois anos depois comerciante, secretário direto do Padre Cícero e documentarista, era sábio o bastante para não incorrer em faltas com Lampião, a quem acompanhou com uma câmera nos anos 1930. Dessas imagens já se tinha conhecimento, inclusive pelo filme Baile Perfumado (1997),primeira iniciativa a apresentar a figura desse mascate do cinema. No registro literário, chega agora estudo mais completo.
O forasteiro. Abrahão posa com Lampião, Maria Bonita e o bando
Em Benjamin Abrahão – Entre anjos e cangaceiros, o historiador Frederico Pernambucano de Mello usa escritos pessoais do personagem, inclusive com a tradução de trechos em árabe. Consegue, dessa forma, expor um ponto de vista não só pontual e pessoal do protagonista sobre as atividades e o cotidiano dos bandoleiros, mas iluminar figuras e fatos essenciais. Recolhe, por exemplo, como Abrahão enumerou os ferimentos que o capitão recebeu na lida costumeira, tudo em bom português, enquanto prefere seu primeiro idioma ao confirmar uma queixa e um reconhecimento de força superior por parte de um major que o persegue. Misturará as duas línguas  quando faz referências ao cotidiano dos acampamentos, como um Lampião flagrado na máquina de costura.
Assim como faltam páginas no diário de Abrahão, também sua trajetória pessoal tem  lacunas. Do momento em que se estabelece em Juazeiro há sempre questões a serem esclarecidas. Nenhuma passagem é mais misteriosa do que sua morte por 42 punhaladas,  aos 37 anos. De crime por vingança amorosa, a político, pela vítima saber das ligações entre Estado, rebeldes e fazendeiros ou por ofensa moral a um vendedor, há várias suspeitas. Um quadro para alimentar mitos em um fenômeno histórico que até hoje sobrevive deles.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Morre nos EUA, aos 92 anos, o músico indiano Ravi Shankar

Jornal do Brasil


O músico indiano Ravi Shankar morreu nesta terça-feira no condado de San Diego, no sul da Califórnia, aos 92 anos de idade, segundo um comunicado conjunto da fundação que leva seu nome e do seu selo fonográfico, o East Meets West Music.
Shankar, pai da cantora Norah Jones, sofria desde o último ano de problemas respiratórios e cardíacos, uma condição que o levou a submeter-se na quinta-feira passada a uma intervenção cirúrgica para substituir uma válvula cardíaca no Scripps Memorial Hospital.
"Embora a operação tenha sido bem-sucedida, a recuperação acabou sendo difícil demais para o músico de 92 anos", diz a nota de imprensa. O artista, que morava no sul da Califórnia, era casado com Sukanya Rajan e tinha duas filhas - Norah Jones e Anoushka Shankar Wright -, três netos e quatro bisnetos.    
Apesar de doente, Ravi Shankar continuou apresentando-se nos últimos meses e realizou seu último show no dia 4 de novembro em Long Beach, no condado de Los Angeles, ao lado de Anoushka Shankar. Seu álbum The Living Room Sessions Part 1 foi indicado à próxima edição do Grammy na semana passada, e o músico soube da notícia antes de sua operação.   Ravi Shankar nasceu em Varanasi, no Estado indiano de Utar Pradesh, em 7 de abril de 1920. Seu pai, V. Lakshinarayana, era professor de violino em seu país, o que contribuiu para que Shankar começasse a tocar esse instrumento quando tinha 5 anos.     
Uma década depois, deixou a Índia para viajar a Paris com a companhia de dança do seu irmão Uday. Em 1936, começou a estudar a sitar, instrumento tradicional indiano, sob a direção de Ustad Allauddin Khan, e pouco depois começou a fazer excursões por Europa e EUA.     
Alcançou a fama no Ocidente graças a sua amizade com o beatle George Harrison, de quem foi professor após conhecê-lo em 1966. No ano seguinte, realizou seu primeiro dueto com o violinista Yehudi Menuhin, com o qual posteriormente colaborou em várias ocasiões.     
Em 1969, viajou aos EUA com a intenção de aprofundar-se na música do Ocidente e, ao mesmo tempo, popularizar a música hindu. Dois anos mais tarde, a pedido da London Symphony, compôs um concerto que estreou no Royal Festival Hall, na capital inglesa.     
Em 1976, começou a colaborar com o guitarrista John McLaughlin, com quem fundou o grupo Shakti, trabalhou na One Truth Band e gravou o álbum Touch me there, sob a direção de Frank Zappa.     
A atividade musical de Ravi Shankar foi intensa, tendo destaque também como compositor. É autor de dois concertos para sitar e orquestra, além de músicas para balés e trilhas sonoras para filmes.     
O músico indiano protagonizou o filme Raga, centrado em sua vida, e em 1978 publicou o livro autobiográfico My life, my music


segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

'Um dia, descobri que dava prejuízo', diz Nando Reis


Aos 30 anos de carreira, cantor avisa: caiu na rede


Sonia Racy - Direto da Fonte - O Estado de S.Paulo
Nando Reis se prepara para um 2013 de arrasar. Vai viajar muito com Os Infernais ("eu amo essa banda"), levando o show Sei, baseado em seu mais recente álbum, a todo o País. E também quer iniciar novos projetos pela internet, agora que pegou gosto pela coisa – como está sem gravadora, resolveu vender as 15 faixas do disco na rede mundial, ao estilo "pague-o-quanto-acha-que-vale", e está gostando muito do resultado.
 - Paulo Giandalia/AE
Paulo Giandalia/AE
Aos 49 anos, top ten dos direitos autorais e com mais de 315 mil seguidores no Twitter e meio milhão no Facebook, Nando descobriu que pode ser feliz como artista independente. Por isso, tomou as rédeas das finanças e abriu uma empresa para administrar seus negócios.
O "ruivão" falou com a coluna na sala de estar de sua casa, rodeado de discos antigos, CDs, livros, o Grammy Latino 2012 por De Repente (em parceria com Murilo Rosa, do Skank) e, claro, muitos itens dedicados ao Tricolor do Morumbi. "Tenho fé que vou ver, já nesta quarta-feira, meu São Paulo campeão outra vez", diz, referindo-se à decisão da Copa Sul-Americana. "Desde que o Muricy Ramalho saiu, a gente não ganhou nada. Mas estou esperançoso com o Ganso, o cara é craque, é divino!".
Pai de cinco filhos, e casado pela segunda vez com a mãe de quatro deles, Nando se revela um paizão e avisa que deu um tempo na análise – talvez por causa dos Infernais. Se ele se deu alta? "Não, pulei o muro do hospício". É, 2013 promete.
NANDO REIS - Por que resolveu lançar um disco na internet?
Porque eu faço discos e essa é uma ideia que está perdendo o lugar dentro do mercado. Cabe a mim proteger o que eu tenho a oferecer. E as lojas de discos estão fechando, a galope, porque não se compram mais discos. E, se estão fechando, as pessoas não têm onde comprar meus discos. Por isso, abri minha loja na internet – algo que só se tornou possível porque estou sem gravadora.
NANDO REIS - E os internautas pagam o que quiserem pelas músicas?
O problema é que, depois de 30 anos em gravadoras, eu realmente não sei quanto cobrar. Fiquei muito tempo assistindo à filosofia das gravadoras – do "lucro muito alto e muito rápido". Taí uma coisa que nunca entendi: por que uma gravadora prefere vender dez por trinta a vender trinta por dez. Agora, tenho a chance de descobrir quanto meu público está disposto a pagar.
NANDO REIS - E como está sendo?
Tem dias em que está mais alto, outros em que cai... Quando aumenta muito, vendo menos. É mercado puro.
NANDO REIS - É um modelo a ser seguido por outros artistas?
Não sei se serve para os outros. Mas serve pra mim.
NANDO REIS - Preferiu ficar sem gravadora já pensando em iniciar esse processo na internet?
Nunca foi minha intenção ser independente, não era um sonho. E, hoje, vejo como eu era acomodado... Só quando você sai é que percebe algumas coisas, tudo que você perde. Porque as gravadoras são muito ortodoxas, pouco flexíveis. Mas a verdade é que, matematicamente, eu era prejudicial, era vermelho...
NANDO REIS - O "ruivão" era vermelho? Nando Reis dava prejuízo?
Pois é, dava! (risos) Mas foi ótimo, porque percebi o seguinte: eu é que deveria ter saído antes, sabe? Não acho que a música que eu faço seja tão inviável assim. Mas foram 30 anos de bons relacionamentos na Warner. Tanto que, quando fui renovar o contrato e eles me disseram "olha, Nando, não dá", admito que fiquei um tanto chocado, tomei um susto.
NANDO REIS - Trinta anos enganando o público não deve ser fácil...
(risos) Pensei: "O que vou fazer agora?" Mas fui sondado por outras gravadoras e tive tempo de ver que a independência, neste momento, podia ser bastante interessante. Até porque o modelo começava a ficar insustentável, mordendo fatia de lucro dos shows – que é algo que eu não posso aceitar.
NANDO REIS - Aí você aproveitou a liberdade e foi gravar em Seattle, com o Jack Endino, que já produziu Nirvana e Soundgarden. Por que?
Porque ele mora lá, eu queria um produtor como ele, na cidade dele, no estúdio dele. E foi caro, viu? Mas um ponto importante é que eu preciso estar muito concentrado para iniciar um processo de gravação. Como a minha banda, Os Infernais, fica no Rio, para mim é ótimo, porque tenho a chance de sair de casa, de cidade... Só que, desta vez, eu queria tirar também a banda do ambiente dela.
NANDO REIS - E como é o seu relacionamento com Os Infernais?
Nossa, eu amo essa banda! Ela está com sua formação mais vibrante, a que mais me empolga. Pela relação que temos uns com os outros, pelo som no palco, pela revelação que foi ver como cada um deles tocou na gravação desse novo trabalho.
NANDO REIS - Depois de 30 anos de estrada, está onde imaginava estar?
Nunca fiz esse tipo de projeção. Embora sempre tivesse desejo de fazer o que faço. Desde pequeno. Como todo desejo, a gente nunca sabe o que vai acontecer. Gosto, sim, do lugar que ocupo hoje. Mas penso também na qualidade do que eu faço. E estou entre os dez que mais arrecadam direitos autorais no País. Acho isso tão bizarro...
NANDO REIS - Por que?
Acho realmente intrigante. Claro, as pessoas me gravam. Mas... não sei. Talvez tenha a ver com a colcha que eu costurei durante esses anos todos. Nessa conta tem muita participação do meu trabalho com o Skank, por exemplo. Sou parceiro do Samuel (Rosa), e o Skank é muito mais constante nas paradas de sucessos, com músicas que eu compus, do que as minhas próprias canções. Às vezes, acho espantoso. Em outras, concluo que tenho qualidade, estou onde estou porque trabalhei muito, sou um cara dedicado, gosto do que faço.
NANDO REIS - Foi a tranquilidade financeira de ser um top ten do Ecad que permitiu investir no projeto atual?
Estou dando um destino perfeito para o que arrecado com os direitos autorais: meu trabalho. Porque, como eu disse, meu negócio é fazer discos, gravar as músicas que fiz e apresentá-las ao público – que é quem faz essa roda girar. Este disco que está na internet tem 15 composições inéditas e uma delas, Sei, está fazendo muito sucesso nas rádios. Não há nada melhor do que investir no próprio negócio.
NANDO REIS - Como vê a atual discussão sobre direitos autorais na internet?
Não entendo como alguém pode achar que direito autoral não deve ser pago na internet, só porque o conteúdo tem de circular livremente. Existem bilionários na rede que se fizeram graças às ferramentas de circulação de conteúdo. Mas, minha música faz parte desse tal conteúdo. Então, não me venham com essa, de que tenho de ceder meus direitos em prol da democracia. Democracia é o c...! Democracia não é nada disso!
NANDO REIS - E como acha que deveria ser?
Olha, na era digital, as músicas tinham de ter um código de barras, e cada rádio devia ter um decodificador, e cada vez que um sujeito tocasse a música, deveria pingar dinheiro em algum lugar. Então, aquele autor, que tem uma canção só, que toca uma vez no sertão, deveria ganhar de forma proporcional. Porque, hoje, é por amostragem, um negócio complicadíssimo, que tende mesmo à distorção. É muito injusto. É preciso investir em tecnologia para resolver esse problema.
NANDO REIS - O que é sucesso pra você?
Putz, eu penso em sucesso de uma forma diferente do que as pessoas pensam. Por exemplo, há músicas que eu compus e que simplesmente não aconteceu nada com elas, embora eu achasse que fossem ser grandes sucessos. Claro que, na maioria das vezes, tenho noção do que vai se tornar hit – por causa do ritmo, do refrão. Embora eu adore quando essas fórmulas são transgredidas. Legião Urbana é um excelente exemplo do que eu estou falando: imagina uma música de nove minutos, como Faroeste Caboclo, tocando em todas as rádios! O sucesso é misterioso.
NANDO REIS - Trabalha contra a fórmula?
Tento, mas nem sempre dá certo. Porque, às vezes, a música pede um formato consagrado. Essa canção da qual eu falei, Sei, é interessante. Tem três minutos e meio, que é um tamanho-padrão do mercado. Porém, não tem refrão. Mas eu não pensei em fazê-la sem refrão, não foi algo intencional. Acho que todas as músicas deveriam ter a chance de tocar as pessoas. E é isso que eu tento fazer nos meus shows. Há hits que eu toco para o público e que não foram grandes sucessos de rádio. Como Relicário, All Star e Pra Você Guardei o Amor, músicas com letras complexas. Pois são cantadas a plenos pulmões nos shows. Isso é o que eu chamo de sucesso.
NANDO REIS - Tem ídolos?
Ídolos porque, quando eu era jovem, os idolatrei: Gil, Caetano e os Novos Baianos. Hoje, não os idolatro, mas os coloco na posição de formadores da estrutura do meu gosto.
NANDO REIS - Então, deve ter sido emocionante ter um texto do Gil apresentando seu novo CD.
Fiquei honradíssimo, foi um elogio. Achei graça da forma como ele escreveu, das coisas que revelou, incluindo o desconhecimento do meu trabalho. Achei lindo o fato de ele ter ouvido meu disco, sabe? Fiquei extremamente lisonjeado. Porque o Gil é fenomenal, um cara brilhante.
NANDO REIS - Você é perfeccionista?
Em algumas coisas, sou muito empenhado, tenho rigor. Em outras, tenho uma intencional displicência, para manter um grau de humanidade, de precariedade, que me interessa. Sou perfeccionista e imperfeccionista.
NANDO REIS - Continua fazendo análise?
Parei, temporariamente.
NANDO REIS - Resolveu se dar alta?
Não... pulei o muro do hospício (risos). Tô refugiado. Fiz análise durante muitos anos. Minha mulher é psicanalista, meus filhos fazem análise. Acredito na ideia de que é melhor saber do que não saber.
NANDO REIS - Com cinco filhos, sua casa é do tipo que vive cheia?
Pois é... estou casado outra vez com Vânia, que é mãe de meus quatro filhos mais velhos. Theodoro tem 26 anos e uma filha, Luzia. Sophia tem 24 anos e está morando, temporariamente, comigo. Sebastião, de 17, e Zoe, de 13, moram comigo e também com a Vânia... É que, embora casados, a gente vive em casas separadas. Eu viajo muito. Às vezes, a casa fica vazia; outras, está cheia, todo mundo aqui. O importante é que eu tenho uma família e convivo muito bem com ela. Meu quinto filho é o Ismael, que mora no RS, com a mãe, a Nani. Tem 6 anos e viaja muito comigo e com a banda. É todo mundo muito amigo – algo muito singular, uma fórmula que funciona pra gente.
NANDO REIS - Apesar de passar muito tempo longe, por causa dos shows, e de ter essa família fora dos padrões, você se considera um bom pai?
Acho que sou um ótimo pai. Pelo princípio que define pai e mãe: a relação amorosa de admiração e respeito pelos filhos. Tenho interesse por eles, gosto deles. Quando o Theo nasceu, em 1986, eu tinha 23 anos, era muito jovem. Hoje, estou entrando na minha quarta adolescência, a da Zoe. Assim como indivíduo, como pai eu também me desenvolvi. Acho que fui um bom pai até quando agi mal, como um pai real. Ser um bom pai é ser um pai verdadeiro, uma pessoa verdadeira. E isso eu sou.
NANDO REIS - É melhor ser adolescente hoje ou na época em que você era adolescente?
Se é melhor hoje do que nos anos 80? Não. Quer dizer, tem muita coisa igual, que pertence ao fato de você ser adolescente. Mas, hoje... é muito mais violento. Na minha época não era assim. Não estou glamurizando os anos 80, não! Mas hoje está muito pior. Tem muita gente no mundo e, como o mundo não sabe o que fazer com tanta gente, as pessoas vivem mal e ficam tentando tomar as coisas umas das outras. Claro que hoje existem milhares de coisas que essa garotada adora... Imagina se eles conseguem viver num mundo sem computadores.
NANDO REIS - Não curte computador?
Não é isso. É que gostava muito também do mundo sem computadores (risos).

Oscar Niemeyer


Vladimir Safatle

Carta Capital

Aos 104 anos, faleceu Oscar Niemeyer. Nenhum artista brasileiro foi reconhecido, de maneira praticamente unânime por seus pares em todo o mundo, como referência absoluta e incontornável. Nenhum, a não ser Niemeyer. Isso não é acaso nem algo desprovido de relevância.
Não se trata de uma questão de sucesso, mas de consciência da força de sua linguagem e da originalidade de suas escolhas. Com Niemeyer, o modernismo alcançou uma audácia formal, que dificilmente encontrará em arquitetos como Le Corbusier, Walter Gropius, Frank Lloyd Wright ou Mies van der Rohe. Ele foi aonde todos esses nomes maiores, que moldaram a nossa sensibilidade, não conseguiram chegar. Sua vida longa e produtividade constante lhe permitiram ser aquele que levou o modernismo ao extremo, mostrando como poderia ser o portador de uma experiência renovada de liberdade da ideia. Experiência de reconciliação entre a clareza formal de quem seguiu à risca o ensinamento de Adolf Loos (Ornamento e Crime) e a organicidade de quem procura aproximar a arquitetura da imitação da sinuosidade dos gestos humanos.
Por unir clareza e organicidade, suas obras conseguem o feito de ser monumentais e humanas. Mas “humanas” não no sentido daquilo que perpetua as ilusões burguesas do acolhimento da intimidade da home. Acolhimento que parece nos alienar definitivamente na crença de que nosso lugar natural é o espaço privado cheio de memorabilias. “Humanas” no sentido deste desejo humano, demasiadamente humano de retornar aos gestos primordiais e encontrar, neles, uma força construtiva inaudita.
Na verdade, se uma ideia pudesse sintetizar a obra de Niemeyer, talvez fosse a ausência de medo. Nossas cidades parecem ter medo do vazio, dos espaços infinitamente abertos, da visão desimpedida, das formas improváveis que têm a força de dobrar o concreto armado, ou seja, da inventividade que parece se comprazer em negar toda a forma que se põe como necessária. Niemeyer não tinha medo de nada. Quantas vezes ele deve ter exasperado engenheiros que viam suas formas e pensavam: “Mas isso não pode ficar suspenso dessa forma. Mas não é possível deixar isso em pé”. E pur si muove!, como dizia Galileu.
Como se não bastasse a inventividade de sua obra e a coragem de suas escolhas, quis o destino que Niemeyer fosse a expressão artística mais bem-acabada do desejo brasileiro de modernidade. Ele soube dar forma ao desejo de seu país de olhar para dentro de si e romper com o que parecia aprisioná-lo em definitivo no século XIX.
Nesse sentido, há de se pensar em certas correlações próprias ao mundo da arquitetura. Como a mais pública das artes, aquela que mais claramente tem a capacidade de reorganizar a experiência do espaço, a arquitetura parece destinada a nos ensinar como o poder constrói. Não é um acaso, por exemplo, que todos os regimes totalitários tenham sempre se associado, em algum nível, ao neo-classicismo. O mesmo neoclassicismo que coloniza nossas cidades brasileiras atuais com seus empreendimentos imobiliários saídos da cabeça de um Albert Speer, tropical, travestido de construtor de sonhos de opulência da elite local.
Também não é um acaso que tenha sido contra o ­neoclassicismo e os vínculos arquitetônicos coloniais que o desejo de modernidade dos brasileiros se afirmou. Nesse sentido, Brasília, a cidade que Niemeyer construiu, juntamente com Lucio Costa, injustamente incompreendida por setores da sociedade brasileira, foi a expressão de que não há desenvolvimento possível sem o desejo de reinvenção de nossas formas de vida e de reorganização a partir do caráter igualitário da ideia.  Durante certo tempo, tal igualitarismo conseguiu se sustentar. Até que foi definitivamente vencido pela especulação imobiliária e pelo desinteresse do poder público em sustentar tal realidade.
Por isso, gostaria de terminar este texto com uma consideração de ordem pessoal. Vivi em Brasília durante toda a minha infância e, por essa razão, sempre quis um dia agradecer a Oscar Niemeyer pela infância que ele, involuntariamente, me deu. Uma infância sem medo, sem grades, sem muros. Infância de quem cresce diante da imensidão de espaços vazios, capaz de acolher, sem violência, o vazio silencioso da natureza do cerrado. Um espaço de olhares desimpedidos, onde os elevadores davam diretamente para as ruas. Um tempo onde aprendi a beleza da igualdade e o prazer de ver todo espaço como um espaço comum. Ironia suprema: em pleno centro de decisão da ditadura, parecia possível ter uma infância comunista (ao menos no sentido de Niemeyer). Nada estranho para alguém capaz de construir um monumento que estiliza a foice e o martelo (o Memorial JK) nas barbas dos generais da ditadura. Por tudo isso, gostaria apenas de dizer: “Obrigado, Niemeyer. Suas ideias ajudaram a moldar nossas vidas”.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

A Genialidade de Oscar Niemeyer


Perda lamentável para o Brasil com a morte de seu maior arquiteto, Oscar Niemeyer.
Confira abaixo algumas de suas obras.