quarta-feira, 2 de maio de 2012

Denotação e conotação


Menalton Braff

Carta Capital

      Não é que o fato me incomode, isso não. Há muito tempo deixei a sala de aula, e há muito mais tempo desisti de salvar o mundo. Não me incomoda, mas me causa espanto a incompetência de algumas pessoas para a leitura. Toda vez que publico um texto que fuja de uma denotação rastaquera, pão pão, queijo queijo, sofro críticas ferozes, quase sempre mal educadas. Me espanta, sobretudo, a ousadia de alguns interlocutores, que opinam sobre qualquer assunto com uma desenvoltura assombrosa.
      Antigamente as escolas ensinavam leitura e interpretação, acho que não ensinam mais. E a interpretação é o modo como o leitor decodifica um texto de maneira correta. Às vezes, quando vejo, acabo de introduzir uma ironia no que estou escrevendo. Uma ironia, pode ser extremamente sutil. Ou não. O leitor atento, no caso da ironia, deve entender o contrário do que está dito. É um recurso de retórica muito comum, fartamente utilizado, e que tem lá sua graça. Pois é aí que a coisa pega. A graça. Algumas pessoas são muito sisudas para perceberem que existe mais de um texto onde elas pensam haver apenas um.
      Mas não é só. Continuando o caso ainda da ironia: dá ao texto uma pitada do gosto de literatura. Ou seja, ela pode ser um elemento estético. E então me valho do Theodor Adorno quando afirma que “É impossível explicar a broncos o que é a arte; não poderiam introduzir na sua experiência viva a compreensão intelectual. Está neles tão sobrevalorizado o princípio de realidade que interdiz sem mais o comportamento estético (…) Perante o ‘Para quê tudo isso?’, perante a reprovação da sua real inutilidade, as obras de arte emudecem total e irremediavelmente”.
      Existe algo que se chama leitura referencial. É aquela para a qual apenas o assunto interessa. Em tudo vê denotação. Pode-se dizer que é um nível primário de leitura, mas primário no sentido de primeiro. É o contato com as palavras, a intuição, a primeira impressão. Muitas pessoas não conseguem uma segunda leitura para penetrar a conotação.
      Pois bem, o discurso científico, ensaístico, didático e, por que não, o discurso jornalistico (os discursos cujo objetivo é informar) não são os lugares apropriados para que se pratique uma linguagem tendendo para a linguagem literária. Pode causar ruído na comunicação.
      A crônica, meus amigos e eventuais leitores, a crônica não se quer portadora de verdade nenhuma; a crônica não tem o objetivo de informar. Ela é texto digestivo, leve, em que brincadeiras linguísticas são possíveis, pois a crônica deve ser, via de regra, bem humorada, com alguns elementos da linguagem literária. Entre eles a ironia faz boa figura. A crônica é opinativa, sempre escrita expressando denotativa ou conotativamente a opinião do cronista sobre determinado assunto.
      O artigo tem o direito de ser carrancudo. Ou não. O articulista informa, o cronista distrai. Às vezes até tratando de assunto sério.

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