domingo, 12 de fevereiro de 2012

O Amor Acaba

Paulo Mendes Campos

      O amor acaba.
      Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois do teatro e do silêncio.
      Acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar.
      De repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel, ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinza o escarlate das unhas.
      E acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados; e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado.
      Na insônia dos braços luminososos do relógio. Mecanicamente, no elevador, como se lhe faltasse energia.
      No sábado depois de três goles mornos de gim à beira da piscina.
      Em apartamentos refrigerados, atapetados, aturdidos de delicadeza, onde há mais encantos que desejo.
      Em salas esmaltadas com sangue, suor e desespero.
      Nos roteiros de tédio para o tédio, no trem, no ônibus, ida e volta de nada para nada.
      Em cavernas de sala e quartos conjugados, o amor se eriça e acaba.
      No inferno o amor não começa.
      Na usura o amor se dissolve.
      Uma carta que chegou depois, o amor acaba.
      Uma carta que chegou antes, o amor acaba.
      O amor acaba na descontrolada fantasia da libido.
      Às vezes acaba na mesma música que começou, no mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes.
      No coração que se dilata e quebra e o médico sentencia imprestável para o amor.
      Às vezes o amor acaba como se fosse melhor nunca ter existido, mas pode acabar com doçura e esperança.
      Uma palavra muda e articulada e acaba o amor: na verdade, no álcool, de manhã, de noite, na floração excessiva da primavera, no abuso do verão e na dissonância do outono.
      Em todos os lugares, a qualquer hora e por qualquer motivo o amor acaba.
      Acaba para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto."

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